quinta-feira, 17 de março de 2011

A MONARQUIA NO ANTIGO TESTAMENTO - Por André Rodrigues



Sabe-se que todas as antigas nações registradas nas Escrituras possuíam um representante legal instituído[1], ou seja, um homem escolhido para arcar com a função de estar à frente de seu povo. Tal indivíduo, por sua vez, é conhecido comumente pelo substantivo rei. Esse substantivo, derivado do heb. melek, aparece, segundo Vine, 2.513 vezes no Antigo Testamento (2004, p. 258). Champlin (1995, vol. V, p. 617) ressalta que essas ocorrências vão desde Gn 14.1 até Dn 7.24. Já a expressão no grego é basiléus[2], “termo que aparece por cento e onze vezes. Se considerarmos seus cognatos, como “rainha”, “reinar”, e “reino”, então esse número aumentará para mais de trezentas vezes”. O rei era o representante maior da nação nas questões relacionadas ao social e não incomum às questões espirituais. Essas referências podem ser observadas principalmente nas nações pagãs[3], nas quais a relação entre governantes e a divindade era íntima. “No Egito, a tendência era que o faraó ou rei recebesse a posição equivalente a de um deus; na Assíria, o rei era antes o representante do deus” (DOUGLAS, 2006, p. 1146), desta forma, exercia a função de profeta, que, como observamos noutro lugar, era o legal representante da Divindade na Terra.

[...] a linhagem real dominante em países de mais elevada civilização, com freqüência era identificada com alguma divindade, ou mesmo com vários deuses. Esse era um corolário natural do conceito de que os deuses eram os protetores destes ou daquele povo. O rei, por ser a principal autoridade de uma nação, torna-se a encarnação da proteção daquela divindade. [...] os anais dos povos gentílicos nos fornecem uma visão imanente do poder divino, onde homens e deuses misturam-se livremente. O rei, pois, era aquele que desfrutava de contacto mais íntimo e constante com os deuses. [...] Através dos longos séculos da história egípcia, e também com freqüência na da Mesopotâmia, os deuses eram considerados uma espécie de alta realeza que governava os homens, e os reis e os sacerdotes, eram tidos como seus representantes especiais. Também devemos pensar nos homens que, de algum modo, eram considerados descendentes dos deuses, de onde, supostamente, derivava-se o seu poder. [...] Faraó, do Egito, era tido como uma espécie de encarnação do deus Horus; pelo que todos os Faraós, em seus títulos, tinham alguma referência a essa divindade. Além disso, vários epítetos de divindades mesopotâmicas são os mesmos adotados pelos reis humanos (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 618).

Esses diversos reis nem sempre eram responsáveis por grandes áreas. Champlin diz que, às vezes, os governantes locais eram chamados de “rei”[4] (1995, vol. 5, p. 617). A Escritura faz menção a um homem por nome de Ninrode, que aparece como sendo o primeiro homem da história a ser chamados rei (Gn 10.8-12) e detentor de um reino[5] com diversas cidades[6] erguidas por ele próprio. No versículo nove, do referido livro do Gênesis, Ninrode é apresentado como “poderoso caçador[7] diante da face do Senhor” (ARC). Mais adiante, quando a expressão hebraica melek, ou seja, rei, aparece literalmente (Gn 14.1), faz-se menção à história de uma guerra de quatro reis contra cinco, no Vale de Sidim, região sul do Mar Morto. Harmonizando-se com a citação de Champlin quanto às pequenas áreas governadas por esses reis, Halley explica:

Os exércitos da época eram pequenos, e os “reis” eram, na realidade, príncipes tribais. [...] Os reis mencionados em Gênesis 14 aparecem somente no texto bíblico. (A conjecturada identificação entre o Anrafel da Bíblia e o rei Hamurábi da Babilônia não é muito plausível). Sabe-se, segundo os documentos da escrita cuneiforme descobertos em Mari e em outros lugares, que no período patriarcal os reis muitas vezes faziam alianças para guerrear contra outros reis – situação que se vê refletida em Gênesis 14 (2001, p. 92).  

Além dos reis acima citados, outros são mencionados nas Escrituras neste contexto: os pagãos do Egito (Intitulados Faraós), os da Pérsia, os de Edom, os de Canaã, etc. (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 617). Isso ilustra muito bem o argumento de que todas as nações da antiguidade possuíam seus reis, regentes de cada povo respectivamente. Mais tarde, numa situação um tanto conturbada, surge, em Israel, o estabelecimento do ofício real, tendo Saul como o primeiro rei institucional da nação.


[1] De acordo com Douglas este ofício era comum no Oriente Médio (2006, p. 1146).

[2] O termo basiléus ocorre de Mateus 1.6 até Apocalipse 21.24 (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 617).

[3] Relativo a “paganismo”. Andrade define como sendo um sistema religioso que não reconhece a supremacia de Deus, aceitando como real a existência e a interferência de outros deuses nas relações humanas (2007, p. 290).

[4] Isso é provado pelo fato de que Bem-Hadade tinha autoridade sobre trinta e dois reis (I Reis 20:1, 16). Em Caná, Adoni-Bezeque derrotou setenta reis, tendo-os obrigado a comer pão debaixo de sua mesa (Juí. 1:7) (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 617).

[5] Mamlãkãh, “reino”, “soberania”, “domínio”, “reinado”. A primeira ocorrência deste termo é exatamente em  Gn 10.10, ao citar o reino de Ninrode (VINE, 2004, p. 256).

[6] As respectivas cidades são: Babel; Ereque; Acade; Calné; Nínive; Reobote-Ir; Calá e Resém.

[7]  O caçador está em contraste com a palavra semítica comum “pastor”, que designa um regente que tem no coração o bem-estar das pessoas. O reino de Ninrode se estendeu até ao rio Tigre, onde foi construído o último centro do poder assírio, formado por Nínive, Reibote-Ir e Resém. É interessante que o nome atual das ruínas de Calá seja Ninrode (LIVINGSTON, Et All, 2009, vol. 1, p. 54, grifos do autor).


Artigo extraído de: RODRIGUES, André. O Tríplice Ofício de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei. 2011, Editora Nossa Livraria - PE

 

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