Como
registramos acima, todas as antigas civilizações possuíam representantes legais
instituídos na sua esfera política. Israel, não! Essa complexa situação pode
ser explicada largamente com textos das Escrituras, que afirmam ser Deus o
verdadeiro representante régio da nação judaica. No canto de Moisés, por
exemplo, após a vitória sobre os egípcios submersos pelo mar[1], diz-se: “O SENHOR reinará eterna e
perpetualmente” (Êx 15.18, ARC). Em outro lugar diz-se que se o povo obedecesse
a Deus, dando ouvidos a Sua voz e guardando os Seus mandamentos, seriam Seu
“reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19.6, ARA, grifo nosso). Para que
haja um reino, é necessário haver um Rei. A nação de
Israel era regida por Deus, caracterizando, assim, um governo teocrático[2], ou seja, um domínio exercido pelo
próprio Deus. “O trecho de Isaías 33.22 afirma enfaticamente o princípio
envolvido: “Porque o Senhor é o nosso juiz, o Senhor é o nosso legislador, o
Senhor é o nosso rei: Ele nos salvará” (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 618).
Ademais, num sentido organizacional, havia representantes nas primitivas tribos
judaicas. Douglas explica que: Na história de Israel, as primitivas tribos
nômades eram governadas pelo patriarca do clã. Durante o êxodo do Egito, o
governo foi exercido por Moisés, sucedido posteriormente por Josué, naquilo que
era praticamente uma teocracia, na qual o líder não-hereditário era eleito pela
chamada divina e reconhecido pelo povo, ainda que não sem certo protesto (Êx
4.29s.; Nm 16.1s.). Quando Israel se estabeleceu na Palestina,[3] inicialmente, as tribos eram
governadas principalmente pelos anciãos das vilas (Jz 11.5), os quais podiam
convocar algum homem de sua escolha para comandar a milícia contra o inimigo
(Et All, 2006, p. 1146).
Ratificando a citação acima, Champlin (1995,
vol. V, p. 618) expõe que “na antiga nação de Israel, a autoridade era
exercida, essencialmente através de chefes de aldeias [...], quando necessário,
esses chefes podiam convocar um exército de emergência (Jz 11.9)”. Essa
complexa configuração governamental, regida por chefes de aldeias, não era
muito conveniente: “Depois da morte de Josué, a nação hebraica não tinha um
governo central forte” (HALLEY, 2001, p. 162). Tal situação conturbada apenas
foi reestruturada, mais tarde, com a literal instituição do ofício régio em
Israel.
Quanto
à falta de estrutura existente nesse sistema de governo, Halley explica:[...]
Tratava-se de uma confederação de doze tribos independentes, destituídas de
qualquer elemento de unificação, a não ser o próprio Deus. A forma de governo
nos dias dos juízes[4] (libertadores) era aquela que se
chama “teocracia”, ou seja, considerava-se que o próprio Deus era o governante
direto da nação. Entretanto, o povo não levava muito a sério o seu Deus – os
israelitas recaíam continuamente na idolatria. Vivendo numa condição de
anarquia mais grave ou menos grave, afligidos ocasionalmente por guerras civis
entre si mesmos e cercados por inimigos que faziam repetidas tentativas de
exterminá-los, os hebreus tiveram um desenvolvimento nacional muito lento. Os
israelitas não se tornaram uma grande nação a não ser quando foram organizados
em um reino nos dias de Samuel e de Davi (2001, p. 162).
“Após
o desaparecimento dos fortes líderes, como Moisés e Josué, os chefes de
aldeias nunca foram suficientemente importantes para impedir o caos” (CHAMPLIN,
1995, vol. V, p. 619). Nesse contexto, ocorre exatamente a triste expressão
máxima: “Naqueles dias, não havia rei em Israel, porém cada um fazia
o que parecia reto aos seus olhos” (Jz 21.25, ARC, grifo
nosso). Entretanto, um pouco mais à frente, embora nesse mesmo contexto,
encontramos dois personagens que conseguiram desenvolver uma liderança
diferenciada, mesmo com todos os problemas decorrentes daqueles dias: Eli e
Samuel. Acerca deles, Champlin nos informa: Esses dois homens proveram uma
forte liderança. Eli era o sacerdote principal[5] em Siló (I Sam. 1:3; 4:13). Samuel
tinha uma liderança não-hereditária. Ele governava de diversos lugares em
Israel, em seus circuitos pela nação (I Sam. 7:15ss) (1995, vol. V, p.
619).
Contudo,
depois de certa calmaria na nação liderada interinamente por Samuel,
surge, entre os judeus, um saliente pedido: a instituição de um rei, como havia
em todas as outras nações. Sem dúvida, isso arruinou o coração de Samuel, que
entendeu a premente petição como a rejeição da teocracia até então fixada. O
texto sagrado nos informa: E sucedeu que, tendo Samuel envelhecido, constituiu
a seus filhos por juízes sobre Israel. E era o nome do seu filho primogênito
Joel, e o nome do seu segundo, Abias; e foram juízes em
Berseba. Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele; antes, se
inclinavam à avareza, e tomaram presentes e perverteram o juízo. Então, os
anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e disseram-lhe:
Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos;
constitui-nos pois, agora, um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como
o têm todas as nações (I Sm 8.1-5, ARC).
Essas
palavras soaram mal aos ouvidos de Samuel, que tinha zelo excessivo pela
nação e, consequentemente, zelo para com o Deus da nação. No entanto, “o pedido
provavelmente foi feito em vista da contínua ameaça dos filisteus, que tornava
necessária a existência de um exército permanente”[6](DOUGLAS, Et All, 2006, p. 1146). Acerca
da receptividade dessa petição por parte dos anciãos representantes do povo, o
autor comenta: O descontentamento de Samuel não ocorreu porque o povo
julgou que ele estava velho e que os seus filhos não eram dignos de sucedê-lo,
mas porque pediram um rei – fato no qual ele via claramente implicações
profundas com envolvimentos morais e espirituais. Os seus receios se
confirmaram quando o Senhor lhe disse: o povo não te tem rejeitado a ti; antes,
a mim me tem rejeitado, para eu não reinar sobre ele. A nação já tinha uma
triste história de rebelião e idolatria, e estava, agora, apenas fazendo a
Samuel o que já havia feito ao Senhor. Esperava-se que o profeta concordasse
com o pedido, mas ele protestou e claramente informou os líderes do resultado
de sua escolha (MULDER, Et All, vol. 2, p. 193, grifo do autor).
Foi
nessas circunstâncias que se estabeleceu o ofício real em Israel, tendo
Saul como seu primeiro rei. Ele “pertencia à tribo de Benjamim [...] alto, de
boa aparência e humilde, [...] começou seu reinado com uma vitória brilhante
sobre os amonitas[7]. Desapareceram, então, quaisquer dúvidas
a respeito da nova monarquia” (HALLEY, 2006, p. 181). Mesmo com a instituição
de um rei em Israel, “durante o seu reinado, [...] Samuel, enquanto viveu,
preservou a liderança religiosa” (DOUGLAS, Et All, 2006, p. 1146). E Saul se
consolidou como o representante da nação. O rei Saul obteve poderes
consideráveis, em pouco tempo. Ele tinha a última palavra na administração da
justiça e da política interna (II Sam. 15:2; I Rs 3:16). Exercia o poder de
vida e morte sobre os cidadãos (II Sam.14). Chegou a imiscuir-se em assuntos
religiosos (I Rs 8 e II Rs 12.14; 18:4; 23.1). Era o comandante-em-chefe do
exército. E essa era a principal razão pela qual os israelitas queriam ter um
rei; porque temiam os muitos inimigos que viviam ameaçando Israel por todos os
lados (I Sam 8.20) (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 619).
Porém,
a história registra que esse aspecto vitorioso do rei Saul não perdurou
por muito tempo. Ele se envaideceu e pôs abaixo seu reinado, dando lugar a
outro[8] que conseguiria estabelecer uma
dinastia preeminente e um relevante respeito em todos os tempos, e, sem
exagero, tornar seu reino eterno, figura tipológica do Reino do Messias. Halley
expõe, de modo condensado, pelo menos três principais erros cometidos pelo
primeiro rei de Israel: O primeiro erro de Saul (cap. 13). Seus
sucessos deixaram-no envaidecido em pouco tempo. A humildade foi substituída
pela soberba. Ele ofereceu sacrifícios, que era função exclusiva dos
sacerdotes. [...] O segundo erro de Saul (cap. 14). A ordem impensada que impôs
ao exército para que se abstivesse de alimentos e a sentença de morte,
igualmente impensada, que decretou contra Jônatas mostravam ao povo que grande
tolo os israelitas tinham como rei. O terceiro erro de Saul (cap. 15). Dessa vez,
Saul desobedeceu deliberadamente a Deus. Por causa disso, teve de ouvir a
sentença ameaçadora de Samuel: “Assim como você rejeitou a palavra do Senhor,
ele o rejeitou como rei” (2001, p. 181, grifos do autor).
Imaturamente,
Saul deixa escapar a oportunidade concedida por Deus de ser um rei que
tornasse diferente a história da nação de Israel. Foi tirado do trono, e Davi
reinou em seu lugar. Este é considerado o maior rei da história israelita,
lembrado até os dias de hoje. É sobre Davi que trataremos no seguinte
tópico.
[2] Teocracia – Esse vocábulo, que não ocorre na Bíblia,
originou-se, ao que parece, com o historiador Josefo, quando escreveu: “O nosso
Legislador deu-nos um governo que podemos denominar de teocracia, atribuindo o
poder e a autoridade a Deus”. Essa relação de Deus com seu povo se vê em Êx
25.22; Jz 8.23; 1Sm 12.12; 2Cr 13.8; 2Sm 7.1-17; Sl 89.27; Dt 17.14-20 (BOYER,
2006, p. 637). Outro ponto a considerar, citado por Geisler (2010, vol. 4, p.
870) é que quando Deus ratificou o concerto mosaico com seu povo, Ele disse: “
Vós me sereis reino sacerdotal e povo santo”. Isso registra o estabelecimento
de uma teocracia; Israel aceitou o papel de ser governada diretamente por Deus.
Eles eram o reino de Deus na terra, e Ele era o seu Rei. Em termos técnicos,
explica Andrade, a definição deste termo no gr. Theos, Deus + kratia,
é: governo. Explica ainda que este governo era centrado nas leis de Deus e
exercido por sacerdotes. No Antigo Testamento, esta configuração governamental
teve um apogeu na judicatura de Samuel, que tinha atuação de profeta, sacerdote
e também chefe de Estado (2007, p. 339).
[3] Boyer (2006, p. 489) diz que a palavra
Palestina quer dizer: A terra dos Filisteus. Chamava-se,
também, A terra de Canaã, A terra de Israel, A
terra prometida, A terra santa. Em todo o mundo, a Palestina é
considerada a pátria dos israelitas e dos judeus.
[4] Os juízes foram 13 homens que o Senhor
suscitou para libertar o povo durante a decadência e desunião que se seguiram à
morte de Josué. A ira de Deus se ascendia contra Israel por causa da apostasia
e imoralidade (BOYER, 2006, p. 383). É incerta a duração do período dos juízes.
Ao somarmos todos os anos de opressão e dos juízes individuais, bem como os dos
períodos de descanso, chegaríamos ao total de 410 anos (HALLEY, 2006, p. 162).
[5] Eli (uma contração de “Deus é grande”) era um
sumo sacerdote. Entre os outros sacerdotes estavam os seus dois filhos, Hofni
e Finéias, notáveis por sua corrupção e incredulidade (2.12-17, 23.25; 3.13).
Como era hereditário, o sacerdócio passava do pai para os filhos sem
consideração pelo caráter ou falta do mesmo (MULDER, Et All, vol. 2, p. 180,
grifos do autor).
[8] Davi, do heb., Amado. O
segundo e o mais ilustre dos reis de Israel, conhecido como “o homem segundo o
coração de Deus” (BOYER, 2006, p. 192). Davi era de baixa estatura,
de tez clara, de belo aspecto, de grande força física e de muitos atrativos
pessoais, homem de guerra, prudente no falar, muito corajoso, bom músico e
bastante religioso (HALLEY, 2001, p. 181).
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