A
MANIFESTAÇÃO DOS OFÍCIOS EM JESUS
Depois de analisar questões voltadas a definições, passaremos a analisar
como se procedeu em Jesus Cristo os ofícios de Profeta, Sacerdote e Rei,
traçando um paralelo entre seus usos e aplicações no passado com os mesmos
papéis desempenhados pelo Senhor em Seu Ministério. Analisaremos cada seção que
revele esses ofícios tanto nos evangelhos como nos outros escritos do Novo
Testamento.
1.
O que é um profeta
Para darmos início a esta discussão, é necessário
definirmos, de modo acentuado, os conceitos de cada expressão no original dada
ao termo profeta. Berkhof faz uso desta prerrogativa na seção chamada por ele
de “A ideia escriturística de profeta”. Fazendo uso dos termos aplicados na
Escritura, diz:
O
Antigo Testamento emprega três palavras para designar um profeta, a saber, nabhi, ro’eh e chozeh. O sentido radical
da palavra nabhi é incerto, mas, por
passagens como Êx 7.1 e Dt 18.18, fica evidente que a palavra designa alguém
que vem com mensagem da parte de Deus para o povo. As palavras ro’eh e chozeh acentuam o fato de que o profeta é alguém que recebe
revelações da parte de Deus, particularmente na forma de visões. Outros
designativos são “homens de Deus”, “mensageiro do Senhor” e “vigia”. Estes
apelativos indicam que os profetas estão prestando serviços ao Senhor e velam
pelos interesses espirituais do povo. No Novo Testamento usa-se a palavra prophetes, composta de pro e
phemi. [...] a palavra prophemi
não significa “falar de antemão”, mas “proferir”. O profeta é alguém que fala
da parte de Deus. Desses nomes, tomados em conjunto, podemos deduzir que o
profeta é alguém que vê coisas, isto é, que recebe revelações, que está a
serviço de Deus, particularmente como mensageiro, e que fala em seu nome (2004,
p. 328).
Soares corrobora a mesma definição de Berkhof
e acrescenta ainda a quantidade de vezes em que cada palavra é apresentada nas
Escrituras. Nabi significa “porta-voz, orador, profeta”. De acordo com sua
exposição, esta é a mais comum das definições e aparece 309 vezes (HARRIS;
ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 904, apud, 2008, p. 98). A palavra hozeh “vidente”, ocorre por 18 vezes (HARRIS;
ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 446, apud, IBDEM), e ro’eh, que também significa “vidente, como sinônimo de nabi
‘profeta’”, aparece 12 vezes (HARRIS; ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 1384, apud,
IBDEM). Ainda em sua explicação, “a Septuaginta usa o termo (prophetes), do grego pro, “antes” e phemi “falar”, e a Vulgata Latina, propheta, para traduzir estes termos hebraicos” (2008, p. 98).
Andrade é simples em seu argumento, porém
deixa importante detalhe para a compreensão da palavra:
[Do
hb. Nabi; do gr. prophetes] No Antigo Testamento, era a pessoa devidamente
vocacionada e autorizada por Deus para falar por Deus e em lugar de Deus (Ez
2.1-10). O profeta era um mestre
incontestável quando sob a inspiração do Espírito Santo (2007, p. 305,
grifo meu).
Dentro dessa perspectiva, outro autor comenta
que “profeta é um porta-voz de Deus cujo teor da mensagem é de admoestação ou
predição. Em certo sentido, os patriarcas mencionados nas Escrituras foram os
primeiros profetas, desde Adão até Moisés” (BOYER, 2006, p. 537). Ele explica,
com detalhes, como se dá o início propriamente dito desta função de modo específico.
Por isso, acentua:
No
sentido estrito, é a partir de Samuel
que começa o ministério profético. Entre esses profetas, encontram-se Elias,
Elizeu e Davi. A partir dessa época, começa outra ordem de profetas, divididos
em duas classes: 1) Os Profetas Maiores:
Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. 2) Os
Profetas Menores, isto é, que deixaram escritos menos extensos que os
livros dos Profetas Maiores, são em número de 12: Oséias, Joel, Amós, Obadias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias (IBIDEM,
grifos do autor).
“Os profetas são, portanto, a consciência
espiritual da nação. São nomeados para fazer os reis, os sacerdotes e o povo lembrarem-se
de suas obrigações diante de Deus e do próximo” (HALLEY, 2001, p. 295).
1.2.
Outras configurações de profetas
De acordo com a exposição do termo, há ainda
outras configurações de profetas inseridos no contexto escriturístico tanto
vetero como neotestamentário. Duas classes distintas de profetas aparecem neste
ambiente: os falsos profetas e as profetisas. “Está dito que os falsos
profetas, embora não capacitados pelo Espírito divino, também profetizavam:
“Não lhes falei a eles; todavia, eles profetizaram”
Jr 23.21. (VINE, 2004, p. 248). No Novo Testamento, a palavra em destaque para
falso profeta é pseudoprophetes
(VINE, 2004, p. 904). A palavra original para profetiza é (nebiah), e ocorre seis vezes no AT. (VINE, 2004, p. 249); enquanto
no NT usa-se prophetis, o feminino de
prophetes (ou seja, profeta) (VINE,
2004, p. 904). Boyer nos fornece
explicações acerca destas configurações, seguindo a respectiva ordem:
Profetas falsos:
Profetas impostores que se fazem passar por homens de Deus, mas não possuem
autoridade divina, Dt 18.20; Is 9.15; Jr 14.13; Ez 13.3; Mt 7.15; 2Pe 2.1; 1Jo
4.1; Zedequias, 1Rs 22.11; Jr 29.21; Barjesus, At 13.6. Profetisa: O feminino de profeta; mulher que tinha revelações
proféticas e as declarava. Exemplos: Miriã, Êx 15.20; Débora, Jz 4.4; Hulda,
2Rs 22.14; Ana, Lc 2.36; as quatro filhas de Filipe, At 21.9; v. Is 8.3; At
2.18; 1Co 11.5 (2006, p. 537, grifos do autor).
Do mesmo modo, com um detalhe mais intenso, somente
acerca de profetisa “(heb., nevi’ah;
gr. Prophetis)”, (DOUGLAS, Et All,
2006, p. 1102), outro autor acentua que, nos dois concertos, mulheres atuaram
de modo relevante e particular em alguns casos:
Algumas
profetisas do Antigo e do Novo Testamentos foram esposas de profetas, ou, pelo
menos, atuaram em íntima associação com líderes masculinos do judaísmo ou do
cristianismo. Contudo houve algumas exceções. As mulheres chamadas profetisas
no Antigo Testamento são: Miriã, irmã de Moisés (Êx 15.20); Débora, Juíza de
Israel (Jz 4.4); Hulda (IIRs 2.14); Noadia (Ne 6.14), profetisa falsa que se
opôs a Neemias. A esposa de Isaías também é chamada “profetisa”, em Is 8.3; o
que dá a entender que ela era mais do que simplesmente a esposa de um profeta.
No Novo Testamento: Ana (Lc 2.36 ss); muitas profetisas estiveram ativas
durante os tempos apostólicos (At 2.17; Ico 12.10, 28ss; 13.1ss; 14.1-33). O
evangelista Filipe tinha quatro filhas que profetizavam (At 21.9). Jezabel foi
uma notória profetisa falsa, que exercia considerável poder sobre as igrejas da
Ásia Menor (Ap 2.20) (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 439).
Dessa forma, concluímos que essas duas
classes sempre estiveram presentes entre os profetas verdadeiramente constituídos.
Uns para auxílio, como no caso de algumas profetisas; outros para fins de
confusão, como se percebe nos falsos profetas, que “eram indivíduos não
reconhecidos pelo Senhor, a quem professavam servir” (CHAMPLIN, 1995, vol. V,
p. 438).
2.1.
Contexto bíblico do profeta constituído
Neste
momento, surge a necessidade de analisarmos como era a forma de comportamento
de um verdadeiro profeta constituído por Deus. É notório que a atuação de um
profeta se estabelecia a partir do pressuposto de que se transmitia através
dele uma mensagem de outrem. Em contexto geral, Hodge ressalta:
Segundo
o uso bíblico, um profeta é alguém que fala em nome de outro. Em Êxodo 7.1,
lemos: “Vê que te constituí como Deus sobre Faraó; e Arão, teu irmão, será teu
profeta”. Moisés seria a fonte autoritativa da comunicação, e Arão, o órgão
dessa fonte. Esta é a relação do profeta com Deus. Deus comunica, e o profeta
anuncia a mensagem que ele recebeu. Em Êxodo 4.16, lemos de Arão em relação a
Moisés: “Ele fará por ti ao povo; ele te será por boca, e tu lhe serás por
Deus”. E em Jeremias 15.19, lemos sobre o profeta: “Serás a minha boca”. Na
instituição de um profeta, ou na constituição de um homem como porta-voz de
Deus, lemos: “Sucitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a
ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe
ordenar. De todo aquele que não ouvir minhas palavras, que ele falar em meu
nome, disso lhe pedirei contas”. (Dt 18.18,19). Um profeta, pois, é alguém que
fala em nome de Deus. Deve contudo, ser o órgão imediato de Deus (HODGE, 2001,
p. 828).
O que foi exposto por Hodge é de outra
maneira, entretanto, com a mesma essência, definido por Berkhof como sendo a
reunião do que ele chama de “dois elementos” numa ação comum:
As
passagens clássicas de Êx 7.1 e Dt 18.18, indicam a presença de dois elementos
na função profética, um passivo e outro ativo, um receptivo e outro produtivo.
O profeta recebe revelações divinas em sonho, visões ou comunicações verbais; e
as transmite ao povo, quer oralmente, quer visivelmente, nas ações proféticas,
Nm 12.6-8; Is 6; Jr 1.4-10; Ez 3.1-4,17. Destes dois elementos, o passivo é o
mais importante, porquanto ele governa o elemento ativo. Sem receber, o profeta
não pode dar, e ele não pode dar mais do que recebe. Mas o elemento ativo
também é parte integrante (2004, p. 328, 329).
Nessa ótica, percebemos perfeitamente que o
profeta é alguém que possui intimidade com Deus e está sob as ordens de Deus,
prestes a falar tudo aquilo que recebeu da parte Dele. Essas qualidades, sem
dúvida, estiveram presentes na vida dos antigos profetas, os quais foram usados
de maneira particular para mostrarem ao povo as verdades absolutas e atraírem
as outras nações ao Deus de Israel.
2.2.
A atuação de Jesus como Profeta
Na seção anterior, ainda que de forma
singular, mostramos, em um contexto geral, como os profetas se completavam e se
relacionavam com Deus, agindo em conexão e estreita comunhão. Com Jesus não foi
diferente. Ele possuía uma intimidade pessoal com o Pai e recebeu Dele a Unção do Profeta. Daquele que havia sido
vaticinado por Moisés no livro de Deuteronômio.
Ele era o cumprimento daquela profecia e tinha por finalidade atrair todo o
homem de volta a Deus, como se dava no princípio do Seu plano original para o
homem. Cullmann descreve:
O
antigo profetismo havia se extinguido progressivamente; e praticamente não
existia mais senão sob a forma escrita de livros proféticos. Isto por si
bastaria para mostrar que, ao chamar a Jesus “profeta”, não se classificava-o
simplesmente em uma categoria profissional determinada. Porém, o argumento
decisivo é que na maior parte das passagens onde este título é dado, Jesus não
aparece somente como um profeta, mas
como o profeta – a saber: o último
profeta, aquele que deveria “cumprir” toda profecia, no final dos tempos (2008,
p. 31).
Em concordância com Cullmann, outro expositor
destaca que “a vinda de Cristo, juntamente com suas obras, estava prevista na
Lei de Moisés e nos profetas, desde o seu nascimento até a sua ascensão ao céu”.
E conclui:
Deus
prometeu levantar em Israel um Grande Profeta igual a Moisés [...] (Dt 18.15,
18). O apóstolo Pedro, mais de uma vez, no dia de Pentecostes e no discurso
após a cura do coxo, na porta chamada Formosa, em Jerusalém, apresentou o perfil
de Cristo no Antigo Testamento, provando assim que os últimos acontecimentos
eram cumprimento das Escrituras. Ele afirma que essa profecia se cumpriu em
Jesus (At 13.22, 23) (SOARES, 2008, p. 101).