A
MANIFESTAÇÃO DOS OFÍCIOS EM JESUS
Depois de analisar questões voltadas a definições, passaremos a analisar
como se procedeu em Jesus Cristo os ofícios de Profeta, Sacerdote e Rei,
traçando um paralelo entre seus usos e aplicações no passado com os mesmos
papéis desempenhados pelo Senhor em Seu Ministério. Analisaremos cada seção que
revele esses ofícios tanto nos evangelhos como nos outros escritos do Novo
Testamento.
1.
O que é um profeta
Para darmos início a esta discussão, é necessário
definirmos, de modo acentuado, os conceitos de cada expressão no original dada
ao termo profeta. Berkhof faz uso desta prerrogativa na seção chamada por ele
de “A ideia escriturística de profeta”. Fazendo uso dos termos aplicados na
Escritura, diz:
O
Antigo Testamento emprega três palavras para designar um profeta, a saber, nabhi, ro’eh e chozeh. O sentido radical
da palavra nabhi é incerto, mas, por
passagens como Êx 7.1 e Dt 18.18, fica evidente que a palavra designa alguém
que vem com mensagem da parte de Deus para o povo. As palavras ro’eh e chozeh acentuam o fato de que o profeta é alguém que recebe
revelações da parte de Deus, particularmente na forma de visões. Outros
designativos são “homens de Deus”, “mensageiro do Senhor” e “vigia”. Estes
apelativos indicam que os profetas estão prestando serviços ao Senhor e velam
pelos interesses espirituais do povo. No Novo Testamento usa-se a palavra prophetes, composta de pro e
phemi. [...] a palavra prophemi
não significa “falar de antemão”, mas “proferir”. O profeta é alguém que fala
da parte de Deus. Desses nomes, tomados em conjunto, podemos deduzir que o
profeta é alguém que vê coisas, isto é, que recebe revelações, que está a
serviço de Deus, particularmente como mensageiro, e que fala em seu nome (2004,
p. 328).
Soares corrobora a mesma definição de Berkhof
e acrescenta ainda a quantidade de vezes em que cada palavra é apresentada nas
Escrituras. Nabi significa “porta-voz, orador, profeta”. De acordo com sua
exposição, esta é a mais comum das definições e aparece 309 vezes (HARRIS;
ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 904, apud, 2008, p. 98). A palavra hozeh “vidente”, ocorre por 18 vezes (HARRIS;
ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 446, apud, IBDEM), e ro’eh, que também significa “vidente, como sinônimo de nabi
‘profeta’”, aparece 12 vezes (HARRIS; ARCHER, JR.; WALTER, 1998, p. 1384, apud,
IBDEM). Ainda em sua explicação, “a Septuaginta usa o termo (prophetes), do grego pro, “antes” e phemi “falar”, e a Vulgata Latina, propheta, para traduzir estes termos hebraicos” (2008, p. 98).
Andrade é simples em seu argumento, porém
deixa importante detalhe para a compreensão da palavra:
[Do
hb. Nabi; do gr. prophetes] No Antigo Testamento, era a pessoa devidamente
vocacionada e autorizada por Deus para falar por Deus e em lugar de Deus (Ez
2.1-10). O profeta era um mestre
incontestável quando sob a inspiração do Espírito Santo (2007, p. 305,
grifo meu).
Dentro dessa perspectiva, outro autor comenta
que “profeta é um porta-voz de Deus cujo teor da mensagem é de admoestação ou
predição. Em certo sentido, os patriarcas mencionados nas Escrituras foram os
primeiros profetas, desde Adão até Moisés” (BOYER, 2006, p. 537). Ele explica,
com detalhes, como se dá o início propriamente dito desta função de modo específico.
Por isso, acentua:
No
sentido estrito, é a partir de Samuel[1]
que começa o ministério profético. Entre esses profetas, encontram-se Elias,
Elizeu e Davi. A partir dessa época, começa outra ordem de profetas, divididos
em duas classes: 1) Os Profetas Maiores[2]:
Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. 2) Os
Profetas Menores, isto é, que deixaram escritos menos extensos que os
livros dos Profetas Maiores, são em número de 12: Oséias, Joel, Amós, Obadias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias (IBIDEM,
grifos do autor).
“Os profetas são, portanto, a consciência
espiritual da nação. São nomeados para fazer os reis, os sacerdotes e o povo lembrarem-se
de suas obrigações diante de Deus e do próximo” (HALLEY, 2001, p. 295).
1.2.
Outras configurações de profetas
De acordo com a exposição do termo, há ainda
outras configurações de profetas inseridos no contexto escriturístico tanto
vetero como neotestamentário. Duas classes distintas de profetas aparecem neste
ambiente: os falsos profetas e as profetisas. “Está dito que os falsos
profetas, embora não capacitados pelo Espírito divino, também profetizavam:
“Não lhes falei a eles; todavia, eles profetizaram[1]”
Jr 23.21. (VINE, 2004, p. 248). No Novo Testamento, a palavra em destaque para
falso profeta é pseudoprophetes
(VINE, 2004, p. 904). A palavra original para profetiza é (nebiah), e ocorre seis vezes no AT. (VINE, 2004, p. 249); enquanto
no NT usa-se prophetis, o feminino de
prophetes (ou seja, profeta) (VINE,
2004, p. 904). Boyer nos fornece
explicações acerca destas configurações, seguindo a respectiva ordem:
Profetas falsos:
Profetas impostores que se fazem passar por homens de Deus, mas não possuem
autoridade divina, Dt 18.20; Is 9.15; Jr 14.13; Ez 13.3; Mt 7.15; 2Pe 2.1; 1Jo
4.1; Zedequias, 1Rs 22.11; Jr 29.21; Barjesus, At 13.6. Profetisa: O feminino de profeta; mulher que tinha revelações
proféticas e as declarava. Exemplos: Miriã, Êx 15.20; Débora, Jz 4.4; Hulda,
2Rs 22.14; Ana, Lc 2.36; as quatro filhas de Filipe, At 21.9; v. Is 8.3; At
2.18; 1Co 11.5 (2006, p. 537, grifos do autor).
Do mesmo modo, com um detalhe mais intenso, somente
acerca de profetisa “(heb., nevi’ah;
gr. Prophetis)”, (DOUGLAS, Et All,
2006, p. 1102), outro autor acentua que, nos dois concertos, mulheres atuaram
de modo relevante e particular em alguns casos:
Algumas
profetisas do Antigo e do Novo Testamentos foram esposas de profetas, ou, pelo
menos, atuaram em íntima associação com líderes masculinos do judaísmo ou do
cristianismo. Contudo houve algumas exceções. As mulheres chamadas profetisas
no Antigo Testamento são: Miriã, irmã de Moisés (Êx 15.20); Débora, Juíza de
Israel (Jz 4.4); Hulda (IIRs 2.14); Noadia (Ne 6.14), profetisa falsa que se
opôs a Neemias. A esposa de Isaías também é chamada “profetisa”, em Is 8.3; o
que dá a entender que ela era mais do que simplesmente a esposa de um profeta.
No Novo Testamento: Ana (Lc 2.36 ss); muitas profetisas estiveram ativas
durante os tempos apostólicos (At 2.17; Ico 12.10, 28ss; 13.1ss; 14.1-33). O
evangelista Filipe tinha quatro filhas que profetizavam (At 21.9). Jezabel foi
uma notória profetisa falsa, que exercia considerável poder sobre as igrejas da
Ásia Menor (Ap 2.20) (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 439).
Dessa forma, concluímos que essas duas
classes sempre estiveram presentes entre os profetas verdadeiramente constituídos.
Uns para auxílio, como no caso de algumas profetisas; outros para fins de
confusão, como se percebe nos falsos profetas, que “eram indivíduos não
reconhecidos pelo Senhor, a quem professavam servir” (CHAMPLIN, 1995, vol. V,
p. 438).
2.1.
Contexto bíblico do profeta constituído
Neste
momento, surge a necessidade de analisarmos como era a forma de comportamento
de um verdadeiro profeta constituído por Deus. É notório que a atuação de um
profeta se estabelecia a partir do pressuposto de que se transmitia através
dele uma mensagem de outrem. Em contexto geral, Hodge ressalta:
Segundo
o uso bíblico, um profeta é alguém que fala em nome de outro. Em Êxodo 7.1,
lemos: “Vê que te constituí como Deus sobre Faraó; e Arão, teu irmão, será teu
profeta”. Moisés seria a fonte autoritativa da comunicação, e Arão, o órgão
dessa fonte. Esta é a relação do profeta com Deus. Deus comunica, e o profeta
anuncia a mensagem que ele recebeu. Em Êxodo 4.16, lemos de Arão em relação a
Moisés: “Ele fará por ti ao povo; ele te será por boca, e tu lhe serás por
Deus”. E em Jeremias 15.19, lemos sobre o profeta: “Serás a minha boca”. Na
instituição de um profeta, ou na constituição de um homem como porta-voz de
Deus, lemos: “Sucitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a
ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe
ordenar. De todo aquele que não ouvir minhas palavras, que ele falar em meu
nome, disso lhe pedirei contas”. (Dt 18.18,19). Um profeta, pois, é alguém que
fala em nome de Deus. Deve contudo, ser o órgão imediato de Deus (HODGE, 2001,
p. 828).
O que foi exposto por Hodge é de outra
maneira, entretanto, com a mesma essência, definido por Berkhof como sendo a
reunião do que ele chama de “dois elementos” numa ação comum:
As
passagens clássicas de Êx 7.1 e Dt 18.18, indicam a presença de dois elementos
na função profética, um passivo e outro ativo, um receptivo e outro produtivo.
O profeta recebe revelações divinas em sonho, visões ou comunicações verbais; e
as transmite ao povo, quer oralmente, quer visivelmente, nas ações proféticas,
Nm 12.6-8; Is 6; Jr 1.4-10; Ez 3.1-4,17. Destes dois elementos, o passivo é o
mais importante, porquanto ele governa o elemento ativo. Sem receber, o profeta
não pode dar, e ele não pode dar mais do que recebe. Mas o elemento ativo
também é parte integrante (2004, p. 328, 329).
Nessa ótica, percebemos perfeitamente que o
profeta é alguém que possui intimidade com Deus e está sob as ordens de Deus,
prestes a falar tudo aquilo que recebeu da parte Dele. Essas qualidades, sem
dúvida, estiveram presentes na vida dos antigos profetas, os quais foram usados
de maneira particular para mostrarem ao povo as verdades absolutas e atraírem
as outras nações ao Deus de Israel[2].
2.2.
A atuação de Jesus como Profeta
Na seção anterior, ainda que de forma
singular, mostramos, em um contexto geral, como os profetas se completavam e se
relacionavam com Deus, agindo em conexão e estreita comunhão. Com Jesus não foi
diferente. Ele possuía uma intimidade pessoal com o Pai e recebeu Dele a Unção do Profeta. Daquele que havia sido
vaticinado por Moisés no livro de Deuteronômio[3].
Ele era o cumprimento daquela profecia e tinha por finalidade atrair todo o
homem de volta a Deus, como se dava no princípio do Seu plano original para o
homem. Cullmann descreve:
O
antigo profetismo havia se extinguido progressivamente; e praticamente não
existia mais senão sob a forma escrita de livros proféticos. Isto por si
bastaria para mostrar que, ao chamar a Jesus “profeta”, não se classificava-o
simplesmente em uma categoria profissional determinada. Porém, o argumento
decisivo é que na maior parte das passagens onde este título é dado, Jesus não
aparece somente como um profeta, mas
como o profeta – a saber: o último
profeta, aquele que deveria “cumprir” toda profecia, no final dos tempos (2008,
p. 31).
Em concordância com Cullmann, outro expositor
destaca que “a vinda de Cristo, juntamente com suas obras, estava prevista na
Lei de Moisés e nos profetas, desde o seu nascimento até a sua ascensão ao céu”.
E conclui:
Deus
prometeu levantar em Israel um Grande Profeta igual a Moisés [...] (Dt 18.15,
18). O apóstolo Pedro, mais de uma vez, no dia de Pentecostes e no discurso
após a cura do coxo, na porta chamada Formosa, em Jerusalém, apresentou o perfil
de Cristo no Antigo Testamento, provando assim que os últimos acontecimentos
eram cumprimento das Escrituras. Ele afirma que essa profecia se cumpriu em
Jesus (At 13.22, 23) (SOARES, 2008, p. 101).
“O
testemunho dos profetas dizia que o Messias seria um profeta para iluminar
Israel e as nações (Is 42.1; cf. Rm 15.8). Os evangelhos também representam
Jesus da mesma forma, como profeta (Mc 6.15; Jo 4.19; 6.14; 9.17; Mc 6.4; 1.27)
(PEARLMAN, 2006, p. 169). É importante a linha de raciocínio desse outro
comentarista ao falar de como a nação de Israel serviria de bênção para as
demais nações através do profeta semelhante a Moisés:
Essa
predição [...] pode ter contido uma referência secundária à ordem profética
como um todo, ou seja, à sucessão de profetas, tais como Isaías e Joel, que
Deus suscitaria para enfrentar emergências na história de Israel. Entretanto, a
linguagem dessa predição prenuncia inconfundivelmente um só indivíduo
específico: o Messias. É uma das predições mais específicas a respeito de
Cristo em todo o A.T. O próprio Jesus assim a entendeu (Jo 5.46) e Pedro também
(At 3.22). A nação dos hebreus foi fundada por Deus para ser o meio pelo qual
as outras nações em algum tempo futuro, seriam abençoadas. Aqui temos uma
declaração explícita de que o sistema segundo o qual essa nação estava sendo
organizada – aquele outorgado através de Moisés, ou seja, a Lei – não seria aquele
mediante o qual Israel abençoaria todas as nações. Essa Lei seria substituída por outro sistema, outorgado por outro
profeta, que conteria a mensagem de Israel a todas as nações. O judaismo seria cumprido pelo evangelho e
substituído por ele (HALLEY, 2001, p. 144, 145, grifo meu).
Outro ponto de vista a considerar é o de
Grudem, que diferencia das três últimas citações e expõe que aqueles que chamaram
Jesus de profeta não falaram com bases concretas, pois eram pessoas que O conheciam
muito pouco. Afirma o autor:
Quando
examinamos os evangelhos vemos que Jesus não é fundamentalmente visto como um profeta ou como o profeta semelhante a Moisés, apesar de referências eventuais a
isso. Geralmente aqueles que chamavam Jesus de “profeta” conheciam muito pouco
sobre ele. Por exemplo, várias opiniões circulavam a respeito dele: “Uns dizem:
João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas” (Mt 16.14; cf. Lc 9.8). Quando Jesus
ressuscitou o filho da viúva de Naim, as pessoas se atemorizaram e disseram que
havia um grande profeta em seu meio
(Lc 7.16). Quando Jesus disse à samaritana no poço um pouco de sua vida
passada, ela respondeu imediatamente que percebia que ele era profeta (Jo 4.19). Mas ela até então não
sabia muito acerca dele. A reação do homem cego de nascença curado no templo
foi semelhante: “...é profeta (Jo 9.17) (1999, p. 523, 524, grifos do autor).
Grudem deseja mostrar que havia certa
confusão na mente das pessoas, porque estavam à espera de um profeta que estava
para chegar a qualquer momento. Revela que questionamentos eram claramente e
constantemente expostos. Diz ele: “[...] após Jesus ter multiplicado os pães e
os peixes, alguns exclamaram: “Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vim
ao mundo” (Jo 6.14; cf. 7.40) (1999, p. 524). E conclui, dizendo: “Pedro também
identifica Cristo como o profeta predito por Moisés (veja At 3.22-24, citando
Dt 18.15). Assim, Jesus é, de fato, o
profeta predito por Moisés” (IBIDEM, grifo meu).
Nesse caso, com a informação de que Jesus foi
o cumprimento daquela profecia, torna-se, à luz dessa revelação, o Excelente
Profeta: o último, o maior e o mais importante de todos eles. Contudo, em
momento algum Jesus apresentou-se como tal. Como explica Letham, “ele nunca
reivindicou especificamente esse ofício para si mesmo. Na verdade, em certas
ocasiões, ele parece distanciar-se das opiniões populares de que ele era um
profeta (cf. Mt 16. 13-17). Letham ainda ressalta:
Em
nenhum momento ele usou a fórmula popular dos profetas: “veio a mim a palavra
do Senhor”. Todos esses fatos são omissões significativas. Eles[4]
parecem dissipar qualquer idéia de que ele fosse um profeta. [...] Uma
observação mais de perto, todavia, indicará o motivo pelo qual Jesus pode ter
sido reticente[5]
em identificar a si mesmo como profeta. Teologicamente, o fator mais crucial é
sua própria identidade pessoal. Como o Filho de Deus encarnado, ele era
infinitamente maior que qualquer dos profetas do Antigo Testamento. Eles eram,
todos eles, homens pecadores (2007, p. 89).
Como sua vinda a este mundo tinha o objetivo
de resgatar o homem e trazê-lo de volta à comunhão com Deus, seria impossível
não deixar transparecer que Ele era o cumprimento daquela profecia. “O profeta
comumente unia três métodos para cumprir o seu ofício: ensino, predição e operações
de milagres. Em todos estes respeitos Jesus realizou sua obra profética [...]”
(STRONG, 2003, p. 371). Logo, perceberiam que Jesus era o profeta enviado por
Deus para a restauração da humanidade.
No
pensar de Hodge:
Quando foi predito que o Messias seria um
profeta, também se predisse que ele seria um grande órgão de Deus para
comunicar sua mente e vontade aos homens[6]. E
quando nosso Senhor apareceu na terra, foi para falar as palavras de Deus. “E
as palavras que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou” (Jo
14.24). “Jesus, o nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e
palavras, diante de Deus e de todo o povo” (Lc 24.19) (2001, p. 828).
Além de Sua manifestação para falar as Palavras
de Deus, há ainda algumas atuações que definem Jesus como profeta. “As
Escrituras do Novo Testamento afirmam que Jesus “...foi varão profeta, poderoso
em obras e palavras” (Lc 24.19), assim como fora Moisés (At 7.22)” (GILBERTO,
2009, p. 145).
A
Escritura atesta de várias maneiras o ofício profético de Cristo. Ele é
prenunciado como profeta em Dt 18.15, passagem aplicada a Cristo em At 3. 22,
23. Ele fala de si como profeta em Lc 13.33. Além disso, alega que traz uma
mensagem do Pai, Jo 8. 26-28; 12.49, 50; 14.10, 24; 15.15; 17.8, 20; prediz
coisas futuras, Mt 24.3-35; Lc 19.41-44, e fala com singular autoridade, Mt
7.29. Suas poderosas obras serviram para autenticar a Sua mensagem. Em vista
disso tudo, não admira que o povo O tenha reconhecido como profeta, Mt 21.11,
46; Lc 7.16; 24.19; Jo 3.2; 4.19; 6.14; 7.40; 9.17[7]
(BERKHOF, 2004, p. 329, 330).
Dessa forma, percebe-se que o ofício
profético de Jesus tem uma destacada importância. No exercício deste ofício profético
por ocasião de sua estada terrena, e até mesmo entre os períodos mais remotos, Cristo
revela-nos algumas particularidades. Um renomado autor refere-se a essas
particularidades da seguinte forma:
Cristo
nos é revelado como o verbo eterno, o Logos, o Jeová manifestado e
manifestante. Ele é a fonte de todo o conhecimento para o universo inteligente,
especialmente para os filhos dos homens. Ele era, e é, a luz do mundo. É a
verdade. Nele habitam todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento; e dele
se irradia toda a luz que os homens recebem e obtêm. Isso, ainda que
independente de sua obra oficial como profeta na economia da redenção, é seu
fundamento necessário. Não tivesse ele a plenitude da sabedoria divina, e não
poderia ser a fonte de conhecimento, especialmente daquele conhecimento que é
vida eterna para todo o seu povo. Sob a antiga dispensação, ou antes de seu
advento na carne, ele fez conhecido Deus, seus propósitos e vontade, não só
através de manifestações pessoais de si mesmo aos patriarcas e profetas, mas
também através de seu Espírito, ao revelar a verdade e a vontade de Deus, ao
inspirar os designados para registrar essas revelações e iluminar a mente de
seu povo, conduzindo-os assim ao conhecimento salvívico da verdade. Enquanto na
terra, ele continuou o exercício de seu ofício profético através de instruções
pessoais, em discursos, parábolas, e exposições da lei e dos profetas; e em
tudo isso ele ensinou concernente à sua própria pessoa e obra, e concernente ao
processo e comunicação de seu reino (HODGE, 2001, p. 829).
Dentro dessa linha exposta por Hodge, outro
autor, de forma menos erudita, no entanto mantendo as mesmas características do
comentarista acima, corrobora, dizendo:
Cristo
foi verdadeiro profeta, anunciado desde Moisés, (Dt 18.15). Os que creram em
Jesus Cristo reconheceram ser ele o profeta que devia vim ao mundo (Jo 6.14; At
3.22). Ele revelou Deus e sua vontade, não apenas com palavras, mas também em
pessoas e obras (Hb 1.3). Sua revelação do Pai é final na história da
humanidade (Hb 1.1ss). Cristo realizou seu trabalho profético em diferentes
épocas. De modo direto e pessoal, ele cumpriu sua função profética no período
da vida terrena. Mas na preexistência, de modo indireto, ele exerceu a função
de profeta, falando através de mensageiros, humanos ou angelicais (Jo 1.9; 1 Pe
1.11). Também depois da ascensão, ele falou pelo Espírito Santo aos apóstolos
(Jo 16.12, 13, 25; 17.29). E parece que na glória ele continuará revelando as
coisas do Pai aos santos (1 Co 13.12) (SEVERA, 1999, p. 239, 249).
Numa narrativa puramente sistemática, Strong
(2003, p. 374) divide em quatro aquilo que chama de “estágio da obra profética
de Cristo”, e, na última consideração[8],
ele diz que Jesus Cristo revelou “o Pai aos seus santos em glória (João 16.15;
17.24, 26; cf. Is 64.4; 1 Cor. 13.12)”. Com isso, o exercício do ofício
profético de Cristo, segundo ele, será sem fim, na mesma configuração do Pai,
ou seja, se o Pai é infinito, seu ofício também o é.
Concluímos, portanto, que a atuação de Jesus
como profeta é muito mais significativa, por romper todas as eras e por não ter
um prazo para o encerramento de tão gloriosa atuação.
No
contexto relativo às atuações dos ofícios desempenhados por Cristo, a partir
deste momento, iniciaremos a discussão a respeito de sacerdotes. Para isso,
faz-se necessário explicar o contexto do AT, as ordens distintas e discutir
sobre Jesus como O Perfeito Sacerdote.
Artigo extraído de: RODRIGUES, André. O Tríplice Ofício de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei. 2011, Editora Nossa Livraria - PE
[1]
Cf. Jr 23.9-40.
[2]
O propósito de Deus em
suscitar, a partir de Abraão, a nação de Israel, e, a partir daí, suscitar
também profetas, foi exatamente o de atrair as demais nações que eram
politeístas ao monoteísmo, ou seja, fazer com que as outras nações se voltassem
para o Deus de Israel e obedecessem suas leis e seus preceitos. Soares ressalta
que eles instruíram o povo de Israel. Ao longo de sua história, Deus levantou,
preparou e inspirou profetas para admoestar os hebreus sobre o perigo da
idolatria. Deus escolhia-os para ensinar, explicar de várias maneiras, como
parábolas ou símiles, e orientar o povo, interpretando-lhes o significado da
sua história, para sua edificação espiritual (Os 12.10). Eram ensinadores
ungidos e escolhidos por Deus para instruir a nação a viver na presença de
Javé, para tornar conhecida sua revelação e também anunciar as coisas futuras
(Nm 12.6; 1 Rs 19.16; Jr 18.18) (2008, p. 99).
[3] Confira este assunto, com maior
detalhe, no cap. I, na seção “A tipologia do Cristo”.
[4]
Aqui é uma referência aos
discípulos, na conversa descrita em Mt
16.13-17, como mostrado acima no começo da citação.
[5]
O mesmo que “reservado
(AURÉLIO).
[6]
Cf. Dt 18.18b.
[7]
Nas citações dos
versículos: Lc 7.16; Jo 4.19; 9.17, Berkhof, usando-as, fundamenta o argumento
de que Cristo era sim reconhecido como profeta. Com esta afirmação, contradiz
Grudem na citação acima.
[8]
As primeiras considerações
descritas por Strong são: A obra preparatória do Logos; O ministério terreno do
Cristo encarnado e A direção e o ensino da sua igreja na terra, desde a Sua
ascensão. Estas, por sua vez, encontram-se nas pág. 372 e 373, da referida
obra.
[1]
A palavra “profeta” ocorre
ocasionalmente antes da época de Samuel, como por exemplo, em Gênesis 20.7 e
Êxodo7.1. Samuel, no entanto, parece ter sido o fundador de uma ordem regular
de profetas, com escolas primeiramente em Ramá (1Sm 19.20) e posteriormente em
Betel, Jericó e Gilgal (2Rs 2.3,5; 4.38). O sacerdócio degenerara-se
consideravelmente e, quando Samuel organizou a monarquia, deu início a essas
escolas, pretendendo, segundo parece, que servissem de fiscalização moral,
tanto para os sacerdotes quanto para os reis. Esses profetas atuaram por um
período de aproximadamente 300 anos antes de surgirem os profetas que
escreveram os 17 últimos livros do AT. Esses profetas dos tempos mais antigos
são chamados “profetas orais”, para distingui-los dos profetas escritores ou
literários, que escreveram os livros. Os principais profetas orais que
conhecemos são: Samuel, o organizador da monarquia; Natã, o conselheiro de
Davi; Aías, o conselheiro de Jeroboão; e Elias e Eliseu, os líderes da grande
luta contra o baalismo (HALLEY, 2001, p. 179).
[2]
Alguns estudiosos têm
objetado a chamarem os profetas de “maiores” e “menores”, como se exaltasse a
alguns e aviltasse outros. No entanto, esses adjetivos tencionam indicar
somente o volume de suas produções literárias (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 438).
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