De uma coisa sabemos: “no Antigo Testamento,
os sacerdotes eram designados por Deus para oferecer sacrifícios” (GRUDEM,
1995, p. 525). Mas como explicar o estabelecimento exato dessa classe, que
representaria perpetuamente o povo diante de Deus? Halley (2001, p. 127)
destaca que “o sacerdócio levítico foi ordenado por Deus para servir de
mediador entre Deus e a nação hebraica, mediante a oferta de animais sacrificiais”.
Os levitas foram separados por Deus para ficarem à frente dos serviços vinculados
ao Tabernáculo e, consequentemente, aos serviços no Templo, posteriormente. De
maneira detalhada, esse comentarista acentua:
Os
levitas são todos os pertencentes à tribo de Levi, uma das doze tribos de
Israel. [...] Deus nomeou os levitas para tomar o lugar dos primogênitos no
serviço a Deus[1].
Uma família ou clã dos levitas, a família de Arão, foi separada para o
sacerdócio. O restante dos levitas dariam assistência aos sacerdotes. Entre
seus deveres estavam o cuidado do Tabernáculo e posteriormente o cuidado do
Templo, bem como as funções de mestres, escribas, músicos, oficiais e juízes.
[...] A tribo de Levi foi a única que não obteve terras depois de os israelitas
terem conquistado Canaã. Em contrapartida, receberam 48 cidades, espalhadas por
todas as partes do país (Nm 35.7; Js 21.19). Como não receberam terras, não
conseguiam sustentar a si mesmos – seu sustento provinha dos dízimos do
restante de Israel (HALLEY, 2001, p. 125).
Dentro dessa perspectiva, agora numa visão
centrada exatamente na constituição da hereditariedade de Arão para o
sacerdócio perpétuo, Gilberto ressalta:
No
tocante ao sacerdócio araônico, está escrito: “...ninguém toma para si esta
honra, senão o que é chamado por Deus, como Arão (Hb 5.4). A escolha dele para
exercer o sacerdócio não se deu devido ao seu parentesco com Moisés. Foi um ato
soberano de Deus (GILBERTO, Et All, 2009, p. 144).
Deus, através de Arão, irmão de Moisés, numa
escolha importante, constituiu a primeira família da linhagem sacerdotal para a
nação. Para uma melhor compreensão dessa escolha de Deus por Arão, devemos
salientar que esta escolha não reflete apenas a formação de sacerdotes, mas,
através de Arão, nasce também a linhagem de sumo sacerdotes[2],
da qual ele foi pioneiro. Halley, de modo acentuado, ao explicar esta
consagração de Arão, diz:
Antes
da época de Moisés, os sacrifícios eram apresentados pelos cabeças da famílias[3].
Mas, uma vez organizada a nação, consagra-se um lugar para os sacrifícios,
preceitua-se um ritual e cria-se um sacerdócio hereditário em uma cerimônia
solene. Foi determinado que Arão fosse o sumo sacerdote, e seu filho
primogênito, seu sucessor. O sacerdócio era sustentado pelos dízimos (a décima
parte da renda familiar – na forma de dinheiro, gado ou produtos agrícolas) e
por parte de alguns sacrifícios. Eles receberam treze cidades (Js 21.13-19)
(2001, p. 126, 127).
É importante o testemunho de Flávio Josefo, considerado um dos
maiores historiadores judeus de todos os tempos em literatura não-canônica.
Sendo também de linhagem sacerdotal, viveu entre 37 e 103 d.C., era possuidor
de uma capacidade particular para
expressar as raízes elementares deste tão precioso ofício, do qual também
descendia. Diz ele:
[...] Tudo estava preparado, e não restava mais
consagrar o Tabernáculo. Deus então apareceu a Moisés e ordenou-lhe que fizesse
a Arão, seu irmão, sumo sacerdote, porque era mais digno que qualquer outro
para esse cargo. Moisés reuniu o povo, falou-lhes das virtudes de Arão e do
interesse deste pelo bem público, que tantas vezes o fizera arriscar a vida. E
todos não somente concordam com a escolha, mas o aprovam com alegria. Então
Moisés assim lhes falou: “Todas as obras que Deus havia ordenado estão
terminadas, segundo a sua vontade e segundo as nossas posses. Como vós sabeis,
Ele quer honrar este Tabernáculo com a sua presença, mas é necessário, antes de
tudo o mais, criar o sumo sacerdote, aquele que é o mais competente para bem
desempenhar este cargo, a fim de que cuide de tudo o que se refere ao culto
divino e ofereça a Ele os vossos votos e as vossas orações. [...] Deus mesmo,
que destinou Arão há muito tempo para esse sagrado ministério, conhecendo-o
como o mais justo dentre vós, o mais digno de ser honrado, deu-lhe o seu voto e
julgou em seu favor. Assim, Arão oferecer-lhe-á de ora em diante, por vós,
orações e votos, e Ele os escutará tanto mais favoravelmente quanto, além do
amor que vos tem, eles lhe serão apresentados por aquele que Ele escolheu para
ser o vosso intercessor junto dele (Antiguidades
Judaicas, Livro 3º, Cap. 9, p. 176, 177).
Percebe-se, de acordo com as citações acima,
que Arão era o sumo sacerdote estabelecido por Deus. Letham (2007, p. 104)
descreve que “em Israel, o ofício estava reservado a Arão e os seus descendentes
diretos”. Contudo, aos levitas[4],
como vimos em momento anterior foram atribuídas as obrigações do exercício
sacerdotal. “Isso não significa, porém, que todo o levita fosse sacerdote. No
entanto, todo sacerdote tinha de ser necessariamente levita” (ANDRADE, 2007, p.
253). Na ordem das responsabilidades desses levitas, não mais no tempo do
Tabernáculo, mas já com a fixação do Templo em Jerusalém, houve a necessidade
de reestruturação das atividades exercidas por eles. Uns dedicaram-se à
fiscalização do serviço do Templo; outros agiam como porteiros; e ainda alguns
se portavam como músicos. Comenta-se que provavelmente havia um coral com
quatro mil vozes de levitas. Em uma escala de serviço específico, destacam-se
alguns levitas como oficiais e juízes de Israel, como também aqueles que
estariam à disposição dos negócios do rei. Concluímos, portanto, que a
separação dessa tribo efetuada por Deus transcenderia os serviços ligados a Ele
e entraria numa esfera de atuação de grande valor também no “governo civil”
(HALLEY, 2001, p. 222).
Além dessa ordem estabelecida por Deus para o
bem-estar do povo havia, no cenário veterotestamentário, outra ordem
misteriosa, da qual trataremos a seguir.
[1]
Quanto à tomada deste
lugar, ou seja, “no serviço a Deus”, no dizer de Halley, como Deus poupou os
primogênitos de Israel na última das pragas contra o Egito (Êx 11.4 – 12.13),
todos os filhos primogênitos e todos os animais primogênitos pertenciam a Deus.
Os animais eram sacrificados, ao passo que os homens eram redimidos. Para
redimir o primogênito, a família pagava um preço ao sacerdote, em vez de
entregá-lo para o serviço do Templo (2001, p. 125).
[2] [Do hb. Cohen gadol; do lat. Summus
pontifex] O principal entre os sacerdotes. No sistema levítico, era o
responsável pelo culto, adoração e sacrifício na congregação dos filhos de
Israel. Sua maior função era representar os israelitas diante de Deus, e por
eles fazer expiação. A intercessão era a base deste ministério exclusivo do
Antigo Pacto (ANDRADE, 2007, p. 335).
[3]
Pode também ser entendido
como “patriarca”, ou seja, o chefe da família.
[4]
Nome dado aos descendentes
da Tribo de Levi.
Artigo extraído de: RODRIGUES, André. O Tríplice Ofício de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei. 2011, Editora Nossa Livraria - PE
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