A Doutrina do
Tríplice Ofício de Cristo é peculiar. Ela pode ser encontrada nos diversos
estágios teológicos: em toda a Escritura, principalmente nos teóricos da
Reforma Protestante, bem como nos dias hodiernos.
Consolidação da doutrina dos ofícios em ambos os Testamentos
Como foi possível
observar, os ofícios estabelecidos por Deus, no pacto passado,
com
extensão tipológica para o pacto futuro, foram desenvolvidos para a manutenção
da ordem, tanto para a nação de Israel como para a Igreja[1],
no plano secundário. Esses ofícios, no Antigo Testamento, eram distintos[2], e apenas em raros casos há
ocorrência da “união[3] deles na mesma pessoa sob a
teocracia, como é o caso de Moisés, que foi, ao mesmo tempo, sacerdote e
profeta, e Davi, que foi profeta e rei”, (HODGE, 2001, p. 825). Quanto a sua
consolidação na pessoa de Cristo, o autor ainda declara:
No
Velho Testamento, os vários ofícios eram distintos. [...] O Messias, durante a
teocracia e no uso de linguagem tal como então se entendia, foi predito como
profeta, sacerdote e rei. Moisés falando de Cristo, disse: “O Senhor, teu Deus,
te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim”. Foi
sobejamente ensinado que um verdadeiro libertador iria exercer todos os deveres
de um profeta como revelador da vontade de Deus. Iria ser um grande mestre de
justiça; luz para alumiar os gentios, bem como glória de seu povo Israel. E não
menos clara e amiúde se declarava que ele seria sacerdote. “Tu és sacerdote
para sempre segundo a ordem de Melquisedeque”; e deveria ser um sacerdote em
seu trono (Sl 110.4; Zc 6.13). Deveria levar os pecados do povo e fazer
intercessão pelos transgressores. Seu ofício régio é apresentado de maneira tão
proeminente nas profecias messiânicas que os judeus o esperavam só na qualidade
de rei. Ele reinaria sobre todas as nações. Seu reino não teria fim. Seria
Senhor dos senhores e Rei dos reis (IBIDEM).
É consideravelmente
possível afirmarmos uma estreita conexão entre o Messias,
aquele
que é o Ungido, e o fato de que todos os profetas (1Rs 19.16, Is 61.11),
sacerdotes (Êx 30.30; 40.13) e reis (1Sm 10.1; 15.1; 1Rs 19.15,16) somente
iniciavam seu ministério após serem ungidos (RYRIE, 2004, p. 291). Dessa forma,
clareia-se a ideia de que, no Antigo Testamento, esses ofícios eram
literalmente aplicados e, em escala superior, refletiam, em tipo, o que seria perfeitamente
desempenhado por Jesus.
No
Novo Testamento, essa consolidação deu-se, é claro, em Jesus. Ele é o Cristo, o Ungido. É fácil entendermos, pela
compreensão do significado das palavras Mesiha
(aramaico), Masiah (hebraico), Christós (grego) e Chistus (Latim, derivado do grego)[4]
(COENEN; BROWN, 2000, p. 1079), que Ele recebeu uma unção diferente, a qual, por sua vez, agrega Nele o tríplice
ofício: como Profeta, revelar-nos Deus e nos transmitir Sua palavra; como Sacerdote,
oferecer-se a Deus como sacrifício em nosso favor; e como Rei, governar tanto a
Igreja como o próprio universo (GRUDEM, 1999, p. 523, grifo nosso).
Ratificando
essa citação, outro autor destaca:
No
Novo Testamento, o Redentor, ao assumir o ofício de Messias prometido, apresentou-se
ao povo como seu profeta, sacerdote e rei; e os que os receberam, receberam-no
em todos esses ofícios. Ele aplicou a si mesmo todas as profecias referentes ao
Messias. Referiu-se a Moisés, predizendo o Messias como profeta; a Davi,
estabelecendo-o como sacerdote; e às profecias de Daniel, concernentes ao Reino
que ele veio estabelecer. Os apóstolos o receberam como o mestre enviado por
Deus para revelar o plano de salvação e para desenvolver o destino futuro da
Igreja. No primeiro capítulo da Epístola aos Hebreus, lemos: “Havendo Deus
outrora falado muitas vezes, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos
falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual
também fez o universo”. Nessa Epístola, o sacerdócio de Cristo é apresentado de
maneira elaborada. [...] De igual modo, o Novo Testamento está cheio de
instrução concernente às bases, natureza, extensão, e duração de seu reino. Ele
é constantemente designado como senhor, como nosso dono e soberano absoluto.
Nada, pois, pode ser mais claro do que o fato de que os profetas do Velho
Testamento predisseram que o Messias seria profeta, sacerdote e rei, de sorte
que o Novo Testamento descreve o Senhor Jesus mantendo todos esses ofícios
(HODGE, 2001, p. 826).
Portanto,
é provada a consolidação desses ofícios na pessoa de Jesus. No Antigo
Testamento, através dos tipos referentes a Ele; no Novo, através de Seu
ministério e da aplicação do adjetivo Cristo
a Sua pessoa. Como foi observado em outro lugar, Ele é o Ungido por excelência,
nosso Profeta, Sacerdote e Rei.
Artigo extraído de: RODRIGUES, André. O Tríplice Ofício de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei. 2011, Editora Nossa Livraria - PE
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[1] Neste sentido, a
concentração desses ofícios distintos em Jesus.
[2] Hodge (2001, p. 825)
explica: “O profeta, como tal, não era sacerdote; e o rei não era nem sacerdote
nem rei”.
[3] No tocante a união destes
ofícios numa só pessoa, Soares (2008, p. 172, 173) afirma que a família dos
Macabeus e os papas da Idade Média atreveram-se a acumular os ofícios de rei e
sacerdote. Aristóbulo I, filho de Hircano, descendente de Matatias, sacerdote
da linhagem de Jeoiaribe (I Cr 24.7), foi o primeiro a usar o título “Rei dos
Judeus”, segundo Josefo. Porém, seu reinado não durou muito, pois foi
substituído por seu irmão Alexandre Janeu. Depois deles, alguns papas na Idade
Média esforçaram-se para ter o domínio do poder espiritual e temporário, entre
eles Gregório VII (1073-1085) e Inocêncio III (1198-1216). Todos reivindicaram
indevidamente essa posição, que é exclusiva de Jesus (Ap. 19.11-13).
[4] Todas essas palavras
significam, respectivamente, Messias,
Cristo e Ungido, e definem alguém como Ungido por Excelência, Jesus.