A monarquia no Antigo
Testamento
Sabe-se que todas as antigas nações
registradas nas Escrituras possuíam um representante legal instituído[1], ou seja, um homem escolhido
para arcar com a função de estar à frente de seu povo. Tal indivíduo, por sua
vez, é conhecido comumente pelo substantivo rei.
Esse substantivo, derivado do heb. melek,
aparece, segundo Vine, 2.513 vezes no Antigo Testamento (2004, p. 258).
Champlin (1995, vol. V, p. 617) ressalta que essas ocorrências vão desde Gn
14.1 até Dn 7.24. Já a expressão no grego é basiléus[2], “termo que aparece por
cento e onze vezes. Se considerarmos seus cognatos, como “rainha”, “reinar”, e
“reino”, então esse número aumentará para mais de trezentas vezes”. O rei era o
representante maior da nação nas questões relacionadas ao social e não incomum
às questões espirituais. Essas referências podem ser observadas principalmente
nas nações pagãs[3], nas quais a relação entre
governantes e a divindade era íntima. “No Egito, a tendência era que o faraó ou
rei recebesse a posição equivalente a de um deus; na Assíria, o rei era antes o
representante do deus” (DOUGLAS, 2006, p. 1146), desta forma, exercia a função
de profeta, que, como observamos noutro lugar, era o legal representante da
Divindade na Terra.
[...]
a linhagem real dominante em países de mais elevada civilização, com freqüência
era identificada com alguma divindade, ou mesmo com vários deuses. Esse era um
corolário natural do conceito de que os deuses eram os protetores destes ou
daquele povo. O rei, por ser a principal autoridade de uma nação, torna-se a
encarnação da proteção daquela divindade. [...] os anais dos povos gentílicos
nos fornecem uma visão imanente do poder divino, onde homens e deuses
misturam-se livremente. O rei, pois, era aquele que desfrutava de contacto mais
íntimo e constante com os deuses. [...] Através dos longos séculos da história
egípcia, e também com freqüência na da Mesopotâmia, os deuses eram considerados
uma espécie de alta realeza que governava os homens, e os reis e os sacerdotes,
eram tidos como seus representantes especiais. Também devemos pensar nos homens
que, de algum modo, eram considerados descendentes dos deuses, de onde,
supostamente, derivava-se o seu poder. [...] Faraó, do Egito, era tido como uma
espécie de encarnação do deus Horus; pelo que todos os Faraós, em seus títulos,
tinham alguma referência a essa divindade. Além disso, vários epítetos de
divindades mesopotâmicas são os mesmos adotados pelos reis humanos (CHAMPLIN,
1995, vol. V, p. 618).
Esses diversos reis
nem sempre eram responsáveis por grandes áreas. Champlin diz que, às vezes, os
governantes locais eram chamados de “rei”[4]
(1995, vol. 5, p. 617). A Escritura faz menção a um homem por nome de Ninrode,
que aparece como sendo o primeiro homem da história a ser chamados rei (Gn
10.8-12) e detentor de um reino[5] com diversas cidades[6] erguidas por ele próprio. No
versículo nove, do referido livro do Gênesis, Ninrode é apresentado como
“poderoso caçador[7] diante da face do Senhor”
(ARC). Mais adiante, quando a expressão hebraica melek, ou seja, rei,
aparece literalmente (Gn 14.1), faz-se menção à história de uma guerra de
quatro reis contra cinco, no Vale de Sidim, região sul do Mar Morto.
Harmonizando-se com a citação de Champlin quanto às pequenas áreas governadas
por esses reis, Halley explica:
Os
exércitos da época eram pequenos, e os “reis” eram, na realidade, príncipes
tribais. [...] Os reis mencionados em Gênesis 14 aparecem somente no texto
bíblico. (A conjecturada identificação entre o Anrafel da Bíblia e o rei
Hamurábi da Babilônia não é muito plausível). Sabe-se, segundo os documentos da
escrita cuneiforme descobertos em Mari e em outros lugares, que no período
patriarcal os reis muitas vezes faziam alianças para guerrear contra outros
reis – situação que se vê refletida em Gênesis 14 (2001, p. 92).
Além
dos reis acima citados, outros são mencionados nas Escrituras neste contexto:
os pagãos do Egito (Intitulados Faraós), os da Pérsia, os de Edom, os de Canaã,
etc. (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 617). Isso ilustra muito bem o argumento de
que todas as nações da antiguidade possuíam seus reis, regentes de cada povo
respectivamente. Mais tarde, numa situação um tanto conturbada, surge, em
Israel, o estabelecimento do ofício real, tendo Saul como o primeiro rei
institucional da nação.
A controversa
instituição do ofício real na nação judaica, renegando-se ao governo teocrático,
será nosso próximo assunto.
A controversa instituição
do ofício régio em Israel
Como registramos acima, todas as
antigas civilizações possuíam representantes legais instituídos na sua esfera
política. Israel, não! Essa complexa situação pode ser explicada largamente com
textos das Escrituras, que afirmam ser Deus o verdadeiro representante régio da
nação judaica. No canto de Moisés, por exemplo, após a vitória sobre os
egípcios submersos pelo mar[8], diz-se: “O SENHOR reinará
eterna e perpetuamente” (Êx 15.18, ARC). Em outro lugar diz-se que se o povo
obedecesse a Deus, dando ouvidos a Sua voz e guardando os Seus mandamentos,
seriam Seu “reino de sacerdotes e
nação santa” (Êx 19.6, ARA, grifo nosso). Para que haja um reino, é necessário haver um Rei.
A nação de Israel era regida por Deus, caracterizando, assim, um governo
teocrático[9][10],
ou seja, um domínio exercido pelo próprio Deus. “O trecho de Isaías 33.22
afirma enfaticamente o princípio envolvido: “Porque o Senhor é o nosso juiz, o
Senhor é o nosso legislador, o Senhor é o nosso rei: Ele nos salvará”
(CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 618). Ademais, num sentido organizacional, havia
representantes nas primitivas tribos judaicas. Douglas explica que:
Na
história de Israel, as primitivas tribos nômades eram governadas pelo patriarca
do clã. Durante o êxodo do Egito, o governo foi exercido por Moisés, sucedido
posteriormente por Josué, naquilo que era praticamente uma teocracia, na qual o
líder não-hereditário era eleito pela chamada divina e reconhecido pelo povo,
ainda que não sem certo protesto (Êx 4.29s.; Nm 16.1s.). Quando Israel se
estabeleceu na Palestina,[11] inicialmente, as tribos
eram governadas principalmente pelos anciãos das vilas (Jz 11.5), os quais
podiam convocar algum homem de sua escolha para comandar a milícia contra o
inimigo (Et All, 2006, p. 1146).
Ratificando a citação
acima, Champlin (1995, vol. V, p. 618) expõe que “na antiga nação de Israel, a
autoridade era exercida, essencialmente através de chefes de aldeias [...],
quando necessário, esses chefes podiam convocar um exército de emergência (Jz
11.9)”. Essa complexa configuração governamental,
regida por chefes de aldeias, não era muito conveniente: “Depois da morte de
Josué, a nação hebraica não tinha um governo central forte” (HALLEY, 2001, p.
162). Tal situação conturbada apenas foi reestruturada, mais tarde, com a
literal instituição do ofício régio em Israel.
Quanto à falta de estrutura existente
nesse sistema de governo, Halley explica:
[...]
Tratava-se de uma confederação de doze tribos independentes, destituídas de
qualquer elemento de unificação, a não ser o próprio Deus. A forma de governo
nos dias dos juízes[12] (libertadores) era aquela
que se chama “teocracia”, ou seja, considerava-se que o próprio Deus era o
governante direto da nação. Entretanto, o povo não levava muito a sério o seu
Deus – os israelitas recaíam continuamente na idolatria. Vivendo numa condição
de anarquia mais grave ou menos grave, afligidos ocasionalmente por guerras
civis entre si mesmos e cercados por inimigos que faziam repetidas tentativas
de exterminá-los, os hebreus tiveram um desenvolvimento nacional muito lento.
Os israelitas não se tornaram uma grande nação a não ser quando foram
organizados em um reino nos dias de Samuel e de Davi (2001, p. 162).
“Após o desaparecimento dos fortes
líderes, como Moisés e Josué, os chefes de aldeias nunca foram suficientemente
importantes para impedir o caos” (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p. 619). Nesse
contexto, ocorre exatamente a triste expressão máxima: “Naqueles dias, não havia rei em Israel, porém cada um
fazia o que parecia reto aos seus
olhos” (Jz 21.25, ARC, grifo nosso). Entretanto, um pouco mais à frente, embora
nesse mesmo contexto, encontramos dois personagens que conseguiram desenvolver
uma liderança diferenciada, mesmo com todos os problemas decorrentes daqueles
dias: Eli e Samuel. Acerca deles, Champlin nos informa:
Esses
dois homens proveram uma forte liderança. Eli era o sacerdote principal[13] em Siló (I Sam. 1:3; 4:13).
Samuel tinha uma liderança não hereditária. Ele governava de diversos lugares
em Israel, em seus circuitos pela nação (I Sam. 7:15ss) (1995, vol. V, p.
619).
Contudo, depois de
certa calmaria na nação liderada interinamente por Samuel, surge, entre os
judeus, um saliente pedido: a instituição de um rei, como havia em todas as
outras nações. Sem dúvida, isso arruinou o coração de Samuel, que entendeu a
premente petição como a rejeição da teocracia até então fixada. O texto sagrado
nos informa:
E
sucedeu que, tendo Samuel envelhecido, constituiu a seus filhos por juízes
sobre Israel. E era o nome do seu filho primogênito Joel, e o nome do seu
segundo, Abias; e foram juízes em
Berseba. Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele; antes, se
inclinavam à avareza, e tomaram presentes e perverteram o juízo. Então, os
anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e disseram-lhe:
Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos;
constitui-nos pois, agora, um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações (I Sm 8.1-5, ARC).
Essas palavras soaram
mal aos ouvidos de Samuel, que tinha zelo excessivo pela nação e,
consequentemente, zelo para com o Deus da nação. No entanto, “o pedido
provavelmente foi feito em vista da contínua ameaça dos filisteus, que tornava
necessária a existência de um exército permanente”[14](DOUGLAS,
Et All, 2006, p. 1146). Acerca da receptividade dessa petição por parte dos
anciãos representantes do povo, o autor comenta:
O
descontentamento de Samuel não ocorreu porque o povo julgou que ele estava
velho e que os seus filhos não eram dignos de sucedê-lo, mas porque pediram um
rei – fato no qual ele via claramente implicações profundas com envolvimentos
morais e espirituais. Os seus receios se confirmaram quando o Senhor lhe disse:
o povo não te tem rejeitado a ti; antes,
a mim me tem rejeitado, para eu não reinar sobre ele. A nação já tinha uma
triste história de rebelião e idolatria, e estava, agora, apenas fazendo a
Samuel o que já havia feito ao Senhor. Esperava-se que o profeta concordasse
com o pedido, mas ele protestou e claramente informou os líderes do resultado
de sua escolha (MULDER, Et All, vol. 2, p. 193, grifo do autor).
Foi nessas
circunstâncias que se estabeleceu o ofício real em Israel, tendo Saul como seu
primeiro rei. Ele “pertencia à tribo de Benjamim [...] alto, de boa aparência e
humilde, [...] começou seu reinado com uma vitória brilhante sobre os amonitas[15]. Desapareceram, então,
quaisquer dúvidas a respeito da nova monarquia” (HALLEY, 2006, p. 181). Mesmo
com a instituição de um rei em Israel, “durante o seu reinado, [...] Samuel,
enquanto viveu, preservou a liderança religiosa” (DOUGLAS, Et All, 2006, p.
1146). E Saul se consolidou como o representante da nação.
O
rei Saul obteve poderes consideráveis, em pouco tempo. Ele tinha a última
palavra na administração da justiça e da política interna (II Sam. 15:2; I Rs
3:16). Exercia o poder de vida e morte sobre os cidadãos (II Sam.14). Chegou a
imiscuir-se em assuntos religiosos (I Rs 8 e II Rs 12.14; 18:4; 23.1). Era o
comandante-em-chefe do exército. E essa era a principal razão pela qual os
israelitas queriam ter um rei; porque temiam os muitos inimigos que viviam
ameaçando Israel por todos os lados (I Sam 8.20) (CHAMPLIN, 1995, vol. V, p.
619).
Porém, a história registra que esse
aspecto vitorioso do rei Saul não perdurou por muito tempo. Ele se envaideceu e
pôs abaixo seu reinado, dando lugar a outro[16]
que conseguiria estabelecer uma dinastia preeminente e um relevante respeito em
todos os tempos, e, sem exagero, tornar seu reino eterno, figura tipológica do
Reino do Messias. Halley expõe, de modo condensado, pelo menos três principais
erros cometidos pelo primeiro rei de Israel:
O primeiro erro de Saul
(cap. 13). Seus sucessos deixaram-no envaidecido em pouco tempo. A humildade
foi substituída pela soberba. Ele ofereceu sacrifícios, que era função
exclusiva dos sacerdotes. [...] O
segundo erro de Saul (cap. 14). A ordem impensada que impôs ao exército
para que se abstivesse de alimentos e a sentença de morte, igualmente
impensada, que decretou contra Jônatas mostravam ao povo que grande tolo os
israelitas tinham como rei. O terceiro
erro de Saul (cap. 15). Dessa vez, Saul desobedeceu deliberadamente a Deus.
Por causa disso, teve de ouvir a sentença ameaçadora de Samuel: “Assim como
você rejeitou a palavra do Senhor, ele o rejeitou como rei” (2001, p. 181,
grifos do autor).
Imaturamente, Saul
deixa escapar a oportunidade concedida por Deus de ser um rei que tornasse
diferente a história da nação de Israel. Foi tirado do trono, e Davi reinou em
seu lugar. Este é considerado o maior rei da história israelita, lembrado até
os dias de hoje. É sobre Davi que trataremos no seguinte tópico.
Davi, o maior rei da
história de Israel
Depois
da inevitável queda de Saul, Davi é escolhido por Deus para assumir o reinado
na nação judaica. Inicialmente, sua escolha e também sua unção ocorrera de modo
oculto[17], para não haver represálias
por parte de Saul. “A unção não podia ter sido realizada abertamente, pois
nesse caso Saul teria matado Davi” (HALLEY, 2001, p. 181). Logo após Samuel
ungir Davi, conforme o mandado do Senhor, as Escrituras retratam que “desde
aquele dia em diante, o Espírito do Senhor se apoderou de Davi” (I Sm 16.13).
Mulder (2009, vol. 2, p. 208) ressalta que isso foi possível, unicamente, com a
finalidade de “dotá-lo com sabedoria e poder”, e para que servisse de
“orientação para o cumprimento dos propósitos de Deus para a sua vida”. Num
pequeno trecho do livro de Atos, Lucas detalha as palavras de Paulo no discurso
aos judeus, na sinagoga de Antioquia da Pisídia[18],
dizendo:
O
Deus deste povo de Israel escolheu a nossos pais e exaltou o povo, sendo eles
estrangeiros na terra do Egito; e com braço poderoso o tirou dela; e suportou
os seus costumes no deserto por espaço de quase quarenta anos. E, destruindo a
sete nações na terra de Canaã, deu-lhes por sorte a terra deles. E, depois
disto, por quase quatrocentos anos, lhes
deu juízes, até ao profeta Samuel. E, depois, pediram um rei, e Deus lhes deu, por quarenta anos, a Saul, filho de Quis,
varão da tribo de Benjamim. E, quando este foi retirado, lhes levantou como rei a Davi, ao qual também
deu testemunho e disse: Achei a Davi, filho de Jessé[19], varão conforme o meu coração, que
executará toda a minha vontade (At 13.17-22, ARC, grifo meu).
Dessa forma, ficamos
sabendo que Davi era varão segundo o coração de Deus. Soares declara que “isso
significa ser ele um homem que se conduzia de acordo com a vontade de Deus,
seus desejos e propósitos eram afinados com os de Deus”. O autor diz ainda que
“a história de Davi ocupa mais espaço do que qualquer outro personagem do
Antigo Testamento”. Sem exagero, a figura grandiosa do rei Davi é particular em
Israel. O referido autor conclui: “ele reinou sete anos em Judá e 33 anos em
todo o Israel, num total de quarenta anos[20].
Começou a reinar aos 30 anos de idade (2Sm 54.5). Fundou uma dinastia que durou
425 anos. Poucas famílias na história conseguiram tal proeza” (2008, p.
122).
Segundo Champlin:
Davi
era espiritualmente superior a Saul (I Sam. 13:14; I Reis 11:4; 14:8). O
governo[21] de Davi foi muito
bem-sucedido, dos ângulos, pessoal, militar e religioso, de tal modo que Davi
chegou a ser considerado o monarca ideal[22]
(1995, vol. V, p. 619).
Esse diferencial que
havia em Davi fez com que Deus estabelecesse com ele um eterno pacto, do qual
descenderia Jesus, o Messias. “A graciosa aliança de Deus com Davi prometia que
o direito de governar permaneceria para sempre[23]
com a dinastia de Davi” (RYRIE, 2004, p. 296).
A
primeira promessa feita a Davi é uma fundação de uma dinastia davídica: “O
SENHOR te fará saber que o SENHOR te fará casa” (v 11), depois de sua morte ela
continuaria[24]: “estabelecerei o seu
reino” (v. 12). A palavra profética revela a relação pai-filho e a continuidade
da casa davídica, que não será quebrada como foi a casa de Saul, ainda que esse
filho venha pecar, será castigado, mas “benignidade não se apartará dele” (v.v
14.15[25]) (SOARES, 2008, p. 124).
Dentro
dessa linha, outro autor fortalece a argumentação:
O
pacto davídico (Sl 132:11ss)[26], sem dúvida, foi um fator
essencial na importância dele, visto que tornava-se clara a existência de um
propósito divino, operante através da linhagem de Davi. Esse propósito era
surgimento do Messias, Jesus Cristo. Davi tornou-se uma espécie de
rei-sacerdote[27], tendo restaurado, até
certo ponto, o ideal mosaico (II Sam. 6:13 ss)
(CHAMPLIN, 1995, Vol.V, p. 619).
Portanto, percebe-se
quão importante foi Davi na história. Respeitado como o maior de todos os reis[28] de Israel. Um dos
principais tipos de Jesus e detentor de uma soberania familiar proposta por
Deus para a elevação do Messias, que seria considerado, por sua vez, o Eterno
descendente de Davi.
Jesus, O Eterno Descendente de Davi
Depois de
tecermos comentários sobre os ofícios de Jesus como Profeta e Perfeito Sumo
Sacerdote, falaremos, agora, sobre Seu ofício de Rei, o terceiro do tríplice ofício. Partiremos do pressuposto de
sua atuação como Rei nos Evangelhos sinópticos, na implantação deste reino no
início do Seu ministério, como também dos aspectos característicos dessa
atuação durante Seu estado de humilhação, após a ascensão e, por último, no futuro
reinado do Milênio.
Como foi possível
observar, havia diversas promessas
que diziam respeito a um Rei,
descendente da casa de Davi, que reinaria eternamente. Severa (1999, p. 241)
cita que “os profetas do Antigo Testamento falaram de um rei que viria da casa
de Davi, para governar Israel e as nações, com justiça, paz e prosperidade (Is
11.1-9)”. Este Rei é Jesus. Uma
dessas muitas promessas é relatada pelo profeta Isaías:
Porque um menino
nos nasceu, um filho se nos deu; o
governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso
Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que aumente o seu governo, e venha paz
sem fim, sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o
firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do
SENHOR dos Exércitos fará isto
(9.6,7, ARA, grifos meu).
Havia, no Novo
Testamento, uma expectativa do advento desse Reino. Os judeus conheciam bem as
profecias e esperavam ansiosos por um reino terreno político, com a esperança
de poderem viver em constante gozo num perfeito reino prometido por Deus, em
contraste com a forma que viviam naqueles dias, subjugados pelos romanos e desgastados por
reinos imperiais de outrora. Geisler corrobora, dizendo:
O Novo Testamento
contém esta mesma expectativa messiânica do Antigo Testamento de um reino
terreno político literal que cumpra todas as profecias a seu respeito. Por
exemplo, José de Arimatéia estava esperando o auge deste reino (Mc 15.43; Lc
23.51), e Jesus disse que João Batista morreu antes de se tornar parte dele
(7.28; cf. 16.16) (2010,
vol. 4, p. 880). Mesmo com a expectativa da chegada do referido Reino, os
judeus, em sua maioria, nos dias de
Jesus, não deram crédito as Suas palavras. Ainda hoje esperam o advento do
Messias. Não conseguiram perceber que Seu
Rei estava diante deles. É-nos dito, entretanto, que logo no início de seu
ministério, após a prisão de seu precursor, João Batista, “Jesus seguiu para a
região da Galiléia e ali anunciava a boa notícia que vem de Deus. Ele dizia: -
Chegou a hora, e o Reino de Deus
está perto” (Mc
1.14,15, NTLH). Assim, de acordo com Letham (2007, p. 56), Marcos assinala, na
verdade, “a primeira proclamação de seu ministério”. Dessa forma, esse registro
retrata a inauguração desse Reino.
[...] o reino de Deus era um tema muito
importante para Jesus. Esse foi o coração da instrução pós-ressurreição que ele
deu aos seus discípulos (At 1.3). Não que isso fosse algo extraordinariamente
novo. Além do mais, quando Jesus começou seu ministério, ele o fez com a
simples declaração da proximidade do reino de Deus. Tal mensagem pressupôs um
entendimento do reino de Deus e de sua natureza. A coisa mais surpreendente
sobre isso foi que o reino estava próximo e isso exigia arrependimento imediato
de Israel. Esse tema estava presente, em certo sentido, no entendimento de
Israel à época de Jesus. O contexto desse entendimento, muito provavelmente
encontrava-se no próprio Antigo Testamento. Lembremo-nos da visão de Daniel
sobre a sucessiva derrota de reinos
humanos causado por uma pedra cortada sem o auxílio de mãos e que por sua vez
tornou-se um reino que permanece para sempre (Dn 2. 31-45). Outra visão de
Daniel é sobre o domínio eterno dado ao Filho do Homem (Dn 7.9-14). Ambas as
visões referiam-se a circunstâncias futuras em relação aos dias de Daniel.
Novamente uma expectativa vibrante desenvolveu-se no Antigo Testamento de que o
próprio Yahweh viria para libertar o seu povo. Jesus estava, de fato, dizendo a
Israel que esse tempo havia chegado (LETHAM, 2007, p. 56).
Após o
estabelecimento inicial de seu ministério, Jesus faz a convocação de doze
homens, os quais iriam compor o colégio apostólico,
cobre-lhes de instruções diversas, mostrando a natureza desse Reino,
atrai para Si inúmeros outros discípulos, prega, cura, realiza milagres,
alimenta multidões, quebra grilhões de endemoniados etc. Esses exemplos são
encontrados em escala abundante nos quatro Evangelhos. Contudo, seu ministério
não é duradouro. Chega
o tempo de Sua partida, afinal foi para isto que veio: morrer pela humanidade!
Dessa forma:
[...] Na presença
de Pilatos,
testificou que nasceu para ser rei;
explicou que seu reino não era deste mundo, isto é, não seria um reino fundado
por força humana, nem seria governado de acordo com os ideais humanos (Jo
18.36). Jesus, antes de sua morte, predisse sua vinda com poder e majestade para
julgar as nações (Mt 25.31) (PEARLMAN, 2006, p. 172, 173).
De maneira teológica
e sistemática, Mueller destaca características do ofício régio de Jesus nas
proximidades de sua morte vicária, corroborando a última citação de Pearlman:
Também em seu
estado de humilhação, Cristo foi verdadeiro rei, que possuía e exercia o poder
divino, não apenas segundo a sua natureza divina (de modo essencial), mas
também segundo a sua natureza humana (por comunicação), [...] a Escritura
atribui governo a Cristo encarnado (Is 9.6); realeza (Jo 18.37); poder divino (Mt
28.18), etc. [...] Todavia, nosso Salvador não exerceu o emprego perfeito e
constante do domínio divino comunicado à natureza humana até a sua exaltação à direita de Deus. (Ef
1.20-23; 4.10; Fp 2.9-11) (2004, p. 306, grifo nosso).
Com efeito, depois
de Sua morte e ressurreição, recebeu do Pai a soberana exaltação e coroação de
honra e glória, a restauração daquela glorificação que tinha antes da
existência do mundo (Jo 17.5); foi feito Senhor e Cristo (At 2.36), Príncipe e
Salvador (At 5.31), Juíz dos vivos e dos mortos (At 10.42); assentou-se à
direita de Deus nos céus (Ef 1.10), tudo lhe foi entregue em suas mãos (Jo
3.35) e, por último, tornou-se o detentor de todo o poder no céu e na terra (Mt
28.18), (BERGSTÉN, 1999, p. 63). Segundo Hodge (2001, p. 931), “Cristo possui o
que os teólogos costumam chamar de seu reino de poder.
Como Teantropo e
Mediador, foi entregue em sua mão todo o poder [...]”.
Outro ponto a
considerar é acentuado por Berkhof (2004, p. 375) quando diz que, “na qualidade
de Segunda Pessoa da Trindade
Santa, o Filho eterno, Cristo naturalmente compartilha o domínio de Deus sobre
todas as Suas criaturas [...] (Sl 103.19)”. Assim, Cristo, cheio de poder e
considerado como o “REI DOS REIS e SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16), está
preparado para implantar, literalmente, o Seu Reino. “Porém, a plenitude desse
ministério Jesus mostrará quando voltar ao mundo como Rei, para restaurar tudo
que os profetas têm predito (cf. At 3.21)”. De acordo com Grudem (1999, p.
527), será de fato percebida essa autoridade sobre a Igreja e também sobre todo
o universo “quando Jesus voltar à terra com poder e grande glória para reinar
(Mt 26.64; 2Ts 1.7-10; Ap 19.11-16)”. Na oportunidade, “todo joelho se dobrará
diante dele (Fp 2.10)”.
Posteriormente, virá a implantação do perfeito reino
Milenial: “Quando Cristo retornar, ele punirá o diabo e seus emissários e
aprisionará Satanás (Ap 19.17-21; 20.1-6), e
então reinará no Monte Sião (Jerusalém)”, (GEISLER, 2010, vol. 4, p. 949,
grifo nosso). Andrade reúne informações de como será o Milênio e o perfeito
reinado de Cristo:
O Milênio terá
início após a Grande Tribulação,
entende-se claramente que será na terra, de acordo com as profecias, Jerusalém
será a capital do Reino (Is 2.2,3; 60.1-3; 66.20; Mq 4.8-13). Cristo reinará,
na Jerusalém terrena, haverá dois tipos distintos de residentes: os salvos, ou
seja, a Igreja glorificada e os povos naturais. Os salvos transformados não
estarão restritos unicamente a Jerusalém terrestre, uma vez que, o seu estado é
de corpo glorificado. Os judeus salvos, os gentios absorvidos no julgamento das
Nações, todos os sobreviventes da Grande Tribulação, além do povo nascido
durante os mil anos, também estarão no milênio. Nestes, mil anos, o mundo realmente
saberá o que significa a expressão “Paraíso na Terra”. Será mantido o
livre-arbítrio, ou seja, as nações que participarem do milênio terão o direito
de escolher se querem adorar ao Senhor ou não, com isso, haverá rebeldes,
e assim significa dizer que o pecado não será totalmente aniquilado neste
período. Com este direito de escolha, conclui-se que haverá naqueles dias,
salvação em massa (Is 33.6; 62.1; Zc 8.13) (2009, pp. 539-543).
Concluímos,
portanto, que Cristo, no Milênio, implantará definitivamente Seu Reino,
agora só percebido parcialmente. Naqueles dias, será possível serem observados
critérios de governo e liderança diferentes dos atuais, porque Cristo, sendo
perfeito, reinará perfeitamente. Então se cumprirá, de uma vez por todas, essa
gloriosa atuação do Eterno Descendente de Davi.
Artigo extraído de: RODRIGUES, André. O Tríplice Ofício de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei. 2011, Editora Nossa Livraria - PE
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