segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ÉPOCA E LOCAL DA ESCRITA DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS - Por André Rodrigues


Os movimentos de Paulo e de seus amigos, após a saída do encarceramento romano de Atos 28, são difíceis de se precisar. O melhor é usar a informação disponível e tentar reconstruir o itinerário mais simples. As palavras de Clemente de Roma, em 95 d.C, devem ser tomadas seriamente acerca de Paulo ter trabalhado na Espanha. Isto foi escrito cedo demais, após a morte de Paulo (dentro de trinta anos), para ter sido informação falsa e a igreja não contestá-la. Seja quanto tempo for que Paulo tenha trabalhado na Espanha, crê-se que não se trata de um trabalho permanente. A exiguidade da informação dada por Clemente é entendida pelo contexto da carta que ele escreveu; ele estava escrevendo acerca das mortes de Paulo e Pedro em Roma, não acerca de seus ministérios como tais. A informação contida nas Pastorais é esboçada e as tentativas de se fazer um itinerário preciso são fadadas ao fracasso. O que se sabe das Pastorais pode ser declarado: Paulo esteve em Creta, Éfeso, Trôade, Macedônia, Mileto, Corinto e Roma. O tempo envolvido seria de 60-61 d.C. até uma data desconhecida, após o incêndio de Roma, em 19 de julho de 64 d.C. Se Paulo foi à Espanha e não retornou em seus passos, a simples viagem seguinte poderia ser traçada geograficamente para se conformar ao material contido nas Pastorais. De Roma até a Espanha seria a primeira etapa. De lá, Paulo teria ido a Creta, onde trabalhou por um período de tempo indeterminado. Deixando Tito (Tt 1:5), Paulo foi para Éfeso. É possível que durante esse tempo ele tenha feito uma visita às igrejas no vale do Lico (Fm. 22). Deixando Timóteo em Éfeso (I Tm. 1:3), Paulo foi à Macedônia (provavelmente a Filipos). Enquanto esteve lá, escreveu I Timóteo e talvez Tito, embora seja mais provável que as tenha escrito de Corinto. Ele então teria ido a Trôade, deixando uma capa e alguns livros na casa de Carpo (II Tm. 4:13), para ir a Éfeso e Mileto, onde Trófimo adoeceu e ficou para trás (II Tm. 4:20), e depois para Corinto. Pensa-se que Paulo pode ter escrito a Tito durante essa época, pois planejava ir a Nicópolis para o inverno (Tt 3:12), mas não é certo se o fez. Quando ele deixou Corinto, Erasto ficou para trás (II Tm. 4:20). Em algum lugar Paulo foi preso, depois que a perseguição aos cristãos, conduzida por Nero, começou. Nero, para transferir a atenção de sua própria culpa no incêndio de Roma, culpou os cristãos. A perseguição, que imediatamente se iniciou, foi intensa, e Paulo foi arrastado nela. A prisão pode ter acontecido em Éfeso, explicando, desta forma, a origem da tradição acerca das ruínas de uma torre lá chamada "Prisão de Paulo". A prisão poderia ter ocorrido em Corinto. Ambas estas cidades eram bem zelosas em sua lealdade para com o culto ao imperador, cada uma tendo um templo e sacerdotes para promover a veneração ao imperador. Depois de sua prisão, Paulo teria apelado para Roma, com base no fato de ser um cidadão romano, e teria asseverado seu direito de ser ouvido em Roma. Chegando a Roma, Paulo tinha já tido sua primeira audiência perante o tribunal (II Tm. 4:11,16,21) e esperava ser condenado na segunda (II Tm. 4:6). Durante esse intervalo Paulo escreveu II Timóteo. O inverno mencionado em Tt 3:12 possivelmente seria o inverno de II Timóteo 4:21. Se assim for, é improvável que Paulo tenha ido a Nicópolis, como planejara. Se não é o mesmo inverno, a razão para enviar Tito à Dalmácia (II Tm. 4:10) estaria esclarecida. Uma tradição antiga afirma que Paulo morreu no ano do incêndio de Roma. Isto poderia significar, e provavelmente significa que ocorreu dentro do espaço de um ano. A tradição também afirma que Paulo foi decapitado fora de Roma, na Via Óstia, em 29 de junho. Isto mais provavelmente teria ocorrido no ano de 65 d.C.



BIBLIOGRAFIA


• Introdução ao estudo do Novo Testamento. Hale, Broadus David. Tradução de
Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação
Religiosa e Publicações, JUERP-RJ 1983.

• O Novo Comentário da Bíblia. Editado e organizado pelo Prof. F. Davidson, MA, DD.
Colaboradores Rev. A. M. Stibbs, MA, DD Rev. E. F. Kevan, MTh. Editado em português pelo Rev. Dr. Russell P. Shedd, MA, BD, PhD. Edições Vida Nova-SP

• Bíblia de Estudo Pentecostal. Antigo e Novo Testamento, Traduzida em português por João Ferreira de Almeida, com referências e algumas variantes. Edição Revista e Corrigida, Ed.1995, Edições CPAD-RJ 2002.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

EVIDÊNCIAS INTERNAS DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS - Por André Rodrigues


Muita parte do questionamento acerca da evidência externa é subjetiva e se torna dúvida e negação reais, devido a considerações e conclusões que surgem da evidência interna. Se devesse ser concluído de considerações internas que Paulo não poderia ter escrito as Pastorais, então, logicamente, o testemunho da igreja primitiva deve estar errado. Os críticos que encontram falha quanto à autoria paulina das Pastorais fazem-no com base em cinco considerações: 1) O cenário histórico; 2) a linguagem; 3) a teologia; 4) a eclesiologia; e 5) os ensinos heréticos a serem combatidos.

1. O Cenário Histórico — Uma das razões principais dadas para a rejeição da autoria paulina é que os lugares e muitas das pessoas mencionadas nas Pastorais não podem ser harmonizados com o que se conhece dos movimentos de Paulo, conforme vistos em Atos e nas outras cartas de Paulo. I Timóteo indica que Paulo, após ter trabalhado em Éfeso por algum tempo, deixou Timóteo (1:3) e foi para a Macedônia. Segundo Atos 19:22 e 20:1, Paulo permaneceu em Éfeso e enviou Timóteo, bem como Erasto, para a Macedônia. Após algum tempo, Paulo deixou Éfeso antes da volta de Timóteo, foi para Corinto, e lá Timóteo o encontrou. 

Como este é o único lugar, em Atos. acerca de um ministério em Éfeso, deve-se concluir que I Timóteo teve que ocorrer após Atos 28. Na Epístola a Tito, Paulo infere que trabalhou na ilha de Creta e deixara Tito quando foi para a Macedônia ou Acaia (1:5; 3:12). Ele pediu a Tito para encontrar-se com ele em Nicópolis, onde planejava passar o inverno. Nada existe em Atos ou nas cartas de Paulo acerca de um ministério em Creta. Ele passou por lá como prisioneiro, quando ia para Roma, proveniente de Cesaréia (At. 27:7-12), mas não teve nenhuma ocasião ou tempo para um ministério na ilha. Também Paulo — estando a caminho de Roma e os dois anos como prisioneiro lá — passou o inverno, que se seguiu à viagem, em Roma, e não em Nicópolis. Portanto, nenhum dos movimentos de Paulo, conforme apresentados em Tito, pode ser harmonizado com Atos. II Timóteo mostra Paulo como um prisioneiro em Roma, Trófimo deixado doente em Mileto (4:20), Tito na Dalmácia (4:10), Erasto como havia ficado em Corinto (4:20), e que os livros e a capa haviam sido deixados em Trôade (4:13). Timóteo deve chegar antes que o inverno comece (4:9,13). Nenhuma destas informações concorda com Atos. Isto não poderia ter sido durante o chamado primeiro encarceramento romano (o de Atos 28), porque, em II Timóteo 4:12, Paulo está enviando Tíquico a Éfeso, e, embora parecesse ser. Aquela ocasião de Colossenses 4:7, Timóteo estava com Paulo em Roma quando a carta Colossense foi escrita (Col. 1:1).

Como estes movimentos de Paulo não podem ser encaixados no quadro do seu ministério como ele é encontrado em Atos, uma de suas alternativas deve ser adotada. Ou Paulo não escreveu estas cartas, ou houve um ministério realizado por ele depois de Atos 28. A primeira posição foi adotada por muitos críticos modernos, porque eles não podem aceitar a tradição de uma soltura de Roma e um ulterior ministério, reprisão, e morte sob Nero. A segunda alternativa é a explicação tradicional acerca do cenário para as Pastorais: Paulo foi solto, escreveu I Timóteo e Tito, então sendo preso outra vez, escrevendo II Timóteo de Roma, pouco antes de sua morte.
Atos 28:30,31 dá a impressão de que Paulo foi solto da prisão. O tom dos sete últimos capítulos de Atos, bem como o tom de Filipenses (1:19, 25; 2:24) e Filemom (v. 22), dão a impressão de espera de liberdade. Em contraste, II Timóteo 4:6-8 não dá a mais ligeira esperança de libertação. Existe evidência patrística de que Paulo foi solto da prisão, embora os críticos, aqueles que negam a autenticidade destas cartas, não considerem isto. Em cerca de 95 d.C, Clemente de Roma, escrevendo somente trinta anos após a morte de Paulo em Roma, afirma que Paulo após instruir o mundo inteiro (o Império Romano) sobre a justiça, "e tendo ido até as extremidades do Ocidente, e tendo dado testemunho perante governadores", sofreu martírio em Roma (I Clemente 5). Embora as "extremidades do Ocidente" pudesse significar Roma para os que estavam na parte oriental do Império, isto só poderia significar Espanha para os que estavam em Roma, e Clemente escreveu de Roma, como um romano. O prólogo a Atos, no Fragmento Muratoriano, afirma que Lucas "omite a morte de Pedro e também a partida de Paulo da cidade, quando este partiu para a Espanha". Depois dessa época, não há dúvida, entre os escritores patrísticos, acerca da soltura de Paulo do encarceramento de Atos 28.
Um argumento usado pelos críticos, contra este peso de evidência patrística, é a completa falta de uma tradição na igreja hispânica de que Paulo trabalhou lá. Pode bem ser que Paulo não tenha passado muito tempo na Espanha. Das palavras de Paulo, nas epístolas da prisão, pode ser que, por causa do alarmante crescimento da heresia na província romana da Ásia, ou seu ministério na Espanha foi muito breve ou ele retornou ao Oriente sem ter ido à Espanha. O problema real não é esta ida à Espanha; o problema é se ele obteve sua liberdade e teve um ministério ulterior na parte oriental do Império. Se ele o teve, haveria tempo e oportunidade ampla para que os movimentos revelados nas Pastorais tivessem ocorrido antes de sua morte, após o incêndio em Roma, em 64 d.C.

2. A Linguagem — O argumento mais antigo e de maior peso contra a autenticidade das Pastorais é o da linguagem. Quanto ao estilo, as Pastorais não são argumentativas e são desprovidas do caráter ardente e quebrantado que é tão típico nos outros escritos de Paulo. Estas três cartas são simplesmente instrutivas; a atmosfera, tranquila e calma. Esta possibilidade poderia ser exatamente assim por causa da natureza e propósitos das cartas: ajudar seus associados mais jovens na obra do ministério e igrejas específicas, com problemas específicos. O estilo de Paulo era muito flexível e determinado pelo material do assunto, em muitas de suas cartas, incluindo as Pastorais.
É com o vocabulário, contudo, que tantos críticos tem problemas quanto à autoria paulina. As estatísticas tem muitas falhas, mas são impressivas para um linguista. P.N. Harrison (The Problem of the Pastoral Epistles — O Problema das Epístolas Pastorais, 1921) tem a mais capaz apresentação do problema de vocabulário, de acordo com as estatísticas. Há 902 palavras no texto crítico das Pastorais. Destas, cinquenta e quatro são nomes próprios. Das 848 restantes, 36% ou 306 não ocorrem em outras cartas paulinas. Cento e trinta e uma (destas 306) são encontradas em outros livros não-paulinos do Novo Testamento; mas, 175 não são encontradas alhures no Novo Testamento. Por outro lado, há 1.635 palavras nas outras cartas paulinas que não são encontradas nas Pastorais, 582 das quais não são encontradas alhures no Novo Testamento. Alega-se que a porcentagem de vocabulário especial para as Pastorais é alta demais em comparação com outras cartas de Paulo, e esta diferença no vocabulário, portanto, impede uma autoria paulina. É interessante observar-se, todavia, que das 848 palavras encontradas somente nas Pastorais, 278 ocorrem somente em I Timóteo, 96 somente em Tito, e 185 em II Timóteo. Estas três cartas partilham somente 289 do vocabulário especial. Se estas cartas não fossem tomadas como um grupo, cada uma seria negada como sendo do mesmo autor, da mesma forma que, tomadas como um grupo, elas são rejeitadas como paulinas. Contudo, o mesmo estilo corre através das Pastorais, e todos os críticos concordam que o mesmo autor escreveu todas as três.
Foram feitas tentativas para mostrar que o vocabulário representa a Igreja do final do primeiro século ou início do segundo. Alega-se que o autor revela sua época através de seu vocabulário, e, como este é o vocabulário de Clemente e Inácio e outros escritores do segundo século, o autor reuniu estas cartas durante o segundo século. É mais provável ser verdadeiro que este autor influenciou Clemente, Inácio e os outros escritores, em seu vocabulário, do que ter sido influenciado por eles. É observado que os 87% dos hapax legomena (termo técnico para palavras que aparecem somente uma vez) nas Pastorais são encontrados nas obras de Filo, e 80% na Septuaginta (LXX). Dos 175 hapax legomena, apenas noventa e dois foram encontrados nos escritores patrísticos. Por outro lado, todos, exceto vinte e oito, são conhecidos como de outros escritores, antes de 50 d.C. Simplesmente não pode ser substanciado que o vocabulário especial das Pastorais não estava em uso durante a época de Paulo.
Várias proposições foram dadas para explicar estas peculiaridades do vocabulário. Sugere-se que o assunto afeta o vocabulário usado. Isto também pode ser dito da pessoa, ou pessoas, a quem a carta foi escrita. Depois, há a atmosfera de onde se escreve, o ficar mais idoso, a passagem do tempo. Há também o cabedal sempre crescente de vocabulário, à medida que uma pessoa de tal inteligência como Paulo encontra novos termos, ao viajar de lugar a lugar. Há também a ser considerado o trabalho de um amanuense e a liberdade dada a ele na transcrição da carta. Estas são todas sugestões válidas para explicar as peculiaridades, mas talvez a maior destas é o assunto. Num estudo estatístico das cartas de Paulo, foi observado, e facilmente confirmado, que a maior parte dos hapax legomena de cada carta ocorre nas seções éticas ou práticas. As palavras que são consideradas "palavras paulinas" encontram-se normalmente nas partes teológicas, geralmente a primeira parte da carta. O todo das Pastorais é ético e prático; muito pouco é teológico. Ao comparar-se as Pastorais com seções não-ateológicas das outras cartas de Paulo, pode-se observar que a porcentagem dos hapax legomena é quase a mesma para cada carta. Nessas cartas práticas de Paulo, as Pastorais, há várias citações ou quase citações, materiais pré formulados, sobre os quais o escritor tem pouco controle de vocabulário. Estes ditos, hinos, provérbios e confissões tradicionais teriam palavras que necessariamente não seriam parte do vocabulário normal do escritor. O estilo e vocabulário próprios do autor não podem ser julgados por esta espécie de conteúdo.
Embora haja uma diferença no vocabulário entre as Pastorais e as outras cartas de Paulo, esta diferença não obsta necessariamente uma autoria paulina. Diferenças até maiores ocorrem entre as obras de outros escritores, e, se for concluído em bases vocabulares que Paulo não poderia ter escrito as Pastorais, deve ser dito, nas mesmas bases, que Cícero não poderia ter sido o autor dos livros sobre oratória, assim como daqueles sobre filosofia, nem Shakespeare ter escrito as tragédias e as comédias, as quais o mundo reconhece como obras-primas suas.

3. A Teologia — A objeção à autoria paulina em bases doutrinárias pode ser resumida nas palavras de James Denny: "São Paulo era inspirado, mas o escritor destas epístolas é às vezes apenas ortodoxo" (The Death of Christ — A Morte de Cristo, 1911). Paulo é criativo e propõe grandes doutrinas e contende por elas, ao passo que este escritor urge seus leitores a se firmarem "na fé". Muita parte da posição doutrinária de Paulo não é encontrada nas Pastorais. A ausência de ênfases paulinas — tais como a paternidade de Deus, a filiação de Jesus Cristo e a pequena atenção dada ao Espírito Santo — certamente deve indicar um escritor que não Paulo. O significado místico de "em Cristo", alega-se, e a antítese entre a lei e a fé, não são encontrados. A palavra "Salvador", usada tanto para Deus como para Jesus, não é tipicamente paulina, bem como o uso dos termos "fé", para simbolizar o conteúdo da crença cristã. Diz-se que toda esta diferença doutrinária só pode significar que Paulo não foi o autor das Pastorais. Há também o uso extensivo da palavra "piedade" (eusébia) nas Pastorais, que não se vê nas outras cartas de Paulo.
Mesmo os mais críticos dos que negam a autenticidade das Pastorais dificilmente negariam a base paulina da teologia nelas encontrada. Hans Windisch, há muito tempo atrás (Zur Christologie der Pastoral-briefe — À Cristologia das Cartas Pastorais, 1935), observou que a teologia das Pastorais não é pós-paulina, e, sim, pré-paulina. Deve ser observado que a maior parte das ideias doutrinárias é encontrada nas seções citadas. Paulo não estava escrevendo teologia; ele estava dando conselho prático. Paulo era um teólogo criativo (quando a ocasião o exigia), mas era primeiramente um apóstolo, e a necessidade de conservar o ensino apostólico era mais importante que a criatividade e a inovação. O meio mais eficaz para a conservação e propagação da mensagem cristã era através de declarações pré-formuladas: "sã doutrina" (I Tm. 1:10; II Tm. 4:3; Tt 1:9); "verdade" (I Tm. 2:4; II Tm. 4:4; Tito 1:1); "depósito" (I Tm. 6:20; II Tm. 2:23; Tito 1:3); "fé" (I Tim. 4:1; II Tim. 3:8; Tito 1:13). Igualmente, o uso destas declarações pré-formuladas teria sido muito mais provável em cartas dirigidas a associados íntimos do que a comunidades mistas (ver I Tm. 3:16). O ministério, tanto de Timóteo quanto de Tito, era assegurar a continuação da doutrina apostólica. A natureza conservadora do escritor das Pastorais encontra-se em acentuado contraste com a teologia "progressiva" e "criativa" de alguns dos escritores do segundo século, e mesmo daqueles a quem Paulo admoesta Timóteo e Tito a resistirem. Paulo estava exortando seus colegas mais jovens a promoverem somente aquilo que haviam recebido para satisfazer aos problemas que encontravam em suas respectivas igrejas.

4. A Eclesiologia — Uma vez que as Pastorais falam de bispos, anciãos e diáconos, presume-se que isto reflete uma data muito posterior, quando um alto grau de organização eclesiástica já se havia desenvolvido. Esta presunção é uma consequência da teoria (de F.C. Baur) de que Paulo não tinha interesse na estrutura organizacional da igreja. Há, contudo, evidência, em Atos, de que Paulo estava muito interessado na ordem na igreja. Atos 14:23 é explícito acerca deste interesse, ao mostrar a designação dos "anciãos" (presbúteroi). Este ofício foi moldado na forma dos líderes da sinagoga, onde os anciãos tinham o cuidado e a responsabilidade do trabalho e do culto. Atos 20:17 mostra Paulo mandando chamar os anciãos da igreja em Éfeso. Aparentemente, Paulo havia participado na escolha deles, para o ofício, antes de partir de Éfeso para a Macedônia e Corinto. Em I Tessalonicenses 5:12, as palavras "os que presidem sobre vós" poderiam referir-se a algum tipo de estrutura organizacional daquela época primitiva.
A amplitude da organização nas Pastorais pode ser facilmente exagerada. A menção de "bispos" e "diáconos" é encontrada em Filipenses 1:1, e Paulo se refere aos anciãos de Éfeso (At. 20:17) como "bispos" (epískopoi) em Atos 20:28. O termo presbúteros é usado nas Pastorais de maneira não-técnica ("homens mais idosos" em I Tm. 5:1,17,19), bem como no sentido técnico (Tt 1:5). O bispo monárquico do segundo século não é retratado nas Pastorais. O ministério do "bispo", nas Pastorais, não é essencialmente diferente do dos outros escritos neotestamentários. É infundada a afirmação de que Timóteo e Tito, porque tem o poder de designar anciãos (I Tim. 5:19; Tito 1:5) e exercer controle sobre a igreja, são o tipo de bispos do segundo século. Eles são representantes pessoais de um apóstolo deixado para trás, para completar a obra que Paulo havia iniciado. A escolha de pessoas para os ofícios é ainda o ministério do profeta (I Tm. 4:14), conforme visto antes em Atos 13:2. A imposição das mãos na ordenação (I Tm. 4:14; 5:22; II Tm. 1:6) está relacionada à tarefa da missão (At. 13:3; 14:23). Um dos resultados da descoberta dos Rolos do Mar Morto é a revelação de que a comunidade essênia escolhia "supervisores" (epíscopoi) para realizar quase o mesmo trabalho dos da igreja cristã e das sinagogas judaicas espalhadas através do mundo daqueles dias. E esta era a prática muito antes de 70 d.C.
Deve-se concluir que a evidência nas Pastorais não exibe uma eclesiologia avançada. Lá está revelada a preocupação de Paulo de que o trabalho da igreja deverá ser realizado de maneira ordenada.

5. Os Ensinos Heréticos. As Objeções à autoria paulina, nestas bases, recebem menos importância, da parte dos críticos antipaulinos modernos, do que dos mais antigos. Este é outro resultado da descoberta e edição dos Documentos do Mar Morto. Reconhece-se, agora, que a heresia das Pastorais não pode ser o gnosticismo desenvolvido do segundo século ou o marcionismo. A citação de Policarpo, de I Timóteo, obstaria a polêmica anti-Marcião como sendo um propósito deste autor. O gnosticismo do segundo século simplesmente não está presente nestas cartas. Os falsos ensinos têm uma natureza judaica muito decidida, e, no máximo, seria um judaísmo gnosticizado, em oposição ao trabalho dos missionários cristãos entre os gentios. Reconhece-se que a heresia não pode ser muito diferente da de Colossenses, embora a ênfase, nas Pastorais, pareça ser mais estritamente judaica. Há brechas causadas por argumento interminável da lei (Tito 3:9; cf. I Tm. 6:4; II Tm. 2:14-23) e genealogias (I Tm. 1:4). Os ensinos incluíam domínios, proibição de certos alimentos e do casamento (I Tim. 4:1-3) e a crença de que a ressurreição já era passada (II Tim. 2:18). Isto tudo tem paralelos no judaísmo pré-cristão. A base gnóstica para a negação da ressurreição não é encontrada aqui; a interpretação de II Tm. 2:18 é mais provavelmente uma observação da fórmula batismal paulina (Rm. 6:4; Col. 2:12; 3:1-4). A estrutura gnóstica de uma cristologia docética não está presente em nenhuma parte nas Pastorais. Mais e mais, à medida que são feitas novas descobertas de documentos escritos por volta da época do início da era cristã, está sendo reconhecido que as raízes da heresia gnóstica remontam ao século pré-cristão. O gnosticismo é uma amalgamação de muitas crenças, incluindo ideias do judaísmo. O primeiro século foi uma época de solidificação daquilo que se tornou uma doutrina definida pelo fim do primeiro século e metade do segundo. As Pastorais refletem ensinos judaicos que até certo ponto se tornaram helenizados. Que os ensinos estavam em oposição à missão aos gentios está prontamente óbvio através das Pastorais; que elas são mais que judaísmo helenizado não pode ser sustentado. A heresia mostrada nestas cartas é quase aquela com que Paulo se confrontava sempre que entrava em contato com oposição liberada por judeus helenizados da diáspora.

Conclusão — Foi mostrado que a autoria paulina não deve ser rejeitada por causa de problemas externos ou internos. Os argumentos para refutar a autenticidade estão longe de serem conclusivos. São suficientemente atrativos para assegurar que muitos eruditos críticos continuarão a propô-los de uma forma ou outra. Mesmo a conclusão, feita por alguns, de que as Pastorais contem porções de materiais paulinos autênticos, assimilados e expandidos por um paulinista do final do primeiro século ou princípio do segundo (i.e., II Tm. 1:16-18; 3:10,11; 4:1,2, 5-22; Tt 3:12-15) não pode ser substanciada. É interessante observar que, sempre que são encontrados materiais favoráveis à autoria paulina, estas passagens são ditas serem fragmentos de outros documentos conhecidos ou perdidos; que os outros materiais são da mão de um compilador! Mas há coisa demais que um paulinista deixa fora, que seria de muita ajuda durante a época das perseguições e disputa sobre doutrina, e ele certamente teria tido o cuidado de mencionar a viagem à Espanha depois da saída da prisão. Contudo, o maior argumento contra a autoria de um paulinista é o cuidado que a igreja primitiva teve em selecionar seus documentos. Ela estava preocupada com a verdade histórica, e estas cartas afirmam que elas foram escritas por Paulo. A história da igreja, nos primeiros séculos, mostra a natureza exigente da igreja para com a verdade. Escrever em nome de outro é algo que a igreja não poderia e não iria tolerar. O oficial da igreja romana que escreveu "Os Atos de Paulo" no nome de Paulo não somente foi removido do ofício, mas também excluído da igreja! Tal era a importância que a igreja dava à veracidade acerca do testemunho apostólico, segundo Tertuliano.
É afirmado neste livro que o estudante do Novo Testamento não deve ter nenhuma hesitação em crer no versículo introdutório de cada uma destas três cartas que têm o nome "Paulo" como o autor. Paulo escreveu estas cartas, e elas podem ser usadas com confiança, como sustentando a verdade.




BIBLIOGRAFIA

• Introdução ao estudo do Novo Testamento. Hale, Broadus David. Tradução de
Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação
Religiosa e Publicações, JUERP-RJ 1983.

• O Novo Comentário da Bíblia. Editado e organizado pelo Prof. F. Davidson, MA, DD.
Colaboradores Rev. A. M. Stibbs, MA, DD Rev. E. F. Kevan, MTh. Editado em português pelo Rev. Dr. Russell P. Shedd, MA, BD, PhD. Edições Vida Nova-SP

• Bíblia de Estudo Pentecostal. Antigo e Novo Testamento, Traduzida em português por João Ferreira de Almeida, com referências e algumas variantes. Edição Revista e Corrigida, Ed.1995, Edições CPAD-RJ 2002.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

EVIDÊNCIAS EXTERNAS DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS - Por André Rodrigues


Se a autenticidade fosse decidida somente em bases externas, não haveria nenhuma dúvida acerca da autoria paulina. Há traços destas cartas em Clemente de Roma e Inácio, mas nenhuma citação direta. Há várias palavras e locuções comuns às Pastorais e aos escritos de Clemente e Inácio. Os críticos que atribuem estas cartas a um paulinista do início do segundo século afirmam que o compilador tomou emprestado de Clemente! Policarpo mostra conhecimento mais aguçado das Pastorais e parece citar diretamente delas. Há alusões em Justino Mártir e Heracles, e Irineu indicou diretamente que estas foram cartas de Paulo. Pela época do final do segundo século, as Pastorais eram largamente conhecidas e aceitas como sendo de Paulo. Os traços da circulação das Pastorais na igreja antes da época de Marcião são mais claros que os que podem ser encontrados para Romanos e II Coríntios. Estas três cartas estão incluídas na lista das cartas paulinas, conforme apresentadas no Fragmento Muratoriano. Os que se opõem à autoria paulina das Pastorais em bases externas fazem isto por duas razões: 1) Elas não aparecem no cânon de Marcião; 2) elas estão ausentes do mais antigo manuscrito grego existente das cartas paulinas, o p46. Alega-se que as dez cartas paulinas contidas na lista de Marcião indicam que ele não soube da existência destas outras três. Diz-se que estas não estiveram em circulação o suficiente cedo para Marcião incluí-las em seu cânon; que elas foram escritas durante o segundo século, no grande debate contra a heresia de Marcião. Contudo, Tertuliano, em sua polêmica contra Marcião, afirmou que foi por esta razão que Marcião rejeitou três dos Evangelhos, mutilou o terceiro Evangelho, para satisfazer aos seus critérios, mutilou algumas das cartas de Paulo (principalmente Romanos) e rejeitou as cartas que conhecemos como as Pastorais. Esta seleção foi feita em bases doutrinárias, e há materiais, nestas cartas (i.e., I Tm. 1:8; 6:20; II Tm. 3:16; etc), que estão em desacordo com os conceitos básicos de Marcião. Deve ser lembrado também que os cristãos ortodoxos do segundo e terceiro séculos aceitaram estas Pastorais como genuínas. Por que deveria ser dado mais peso a uma lista de um conhecido herege do que àqueles que estão na corrente principal do cristianismo? A ausência das Pastorais (e Filemom), no p46, é também citada como prova para negar-se a autoria paulina. Contudo, se assim fosse, muito do Novo Testamento seria rejeitado também. Os papiros de Chester Beatty contem fragmentos de um códice dos Evangelhos p46, quase tudo de um códice contendo as cartas de Paulo p46 e fragmentos de outro códice do Apocalipse P47. Concluir-se que somente os livros representados nestes papiros são autênticos seria por em risco todos os que não aparecem. Igualmente, é observado que faltam, no códice existente, denominado P46, a primeira e a última páginas. Estimou-se que pelo menos sete das últimas páginas estão faltando. Pode-se ver que o copista estava começando a aglomerar suas cartas nas últimas páginas existentes, e, assim, dando a impressão de que estava tentando colocar todo o material paulino restante dentro do códice. Normalmente se tomaria nove páginas para as Pastorais e Filemom, mas com a aglomeração de cartas isto poderia ser feito em sete páginas. Deve ser também lembrado que estes papiros foram produzidos em Alexandria, e, os escritores patrísticos de Alexandria, todos reconhecem, sem dúvida, a autenticidade destas quatro cartas ausentes de Paulo. Clemente de Alexandria e seus discípulos aceitaram estas como autênticas muito antes de o P46 ter sido escrito. Portanto, rejeitar-se a autenticidade em bases externas é uma conjetura subjetiva, que deve ser abandonada por qualquer observador honesto.



BIBLIOGRAFIA


Introdução ao estudo do Novo Testamento. Hale, Broadus David. Tradução de
Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação
Religiosa e Publicações, JUERP-RJ 1983.

O Novo Comentário da Bíblia. Editado e organizado pelo Prof. F. Davidson, MA, DD.
Colaboradores Rev. A. M. Stibbs, MA, DD Rev. E. F. Kevan, MTh. Editado em português pelo Rev. Dr. Russell P. Shedd, MA, BD, PhD. Edições Vida Nova-SP

Bíblia de Estudo Pentecostal. Antigo e Novo Testamento, Traduzida em português por João Ferreira de Almeida, com referências e algumas variantes. Edição Revista e Corrigida, Ed.1995, Edições CPAD-RJ 2002.