Esta palavra não é usada freqüentemente na Escritura; mas o que ela significa admite-se ser muito freqüentemente deduzido. Usualmente consideramos um tipo como um modelo, um padrão, ou uma semelhança geral de uma pessoa, um evento, ou uma coisa que está para surgir: e nisto ela difere de uma representação, um memorial, ou uma comemoração de um evento, etc., que já aconteceu. O Espírito de Deus adotou uma variedade de meios para indicar seu perfeito pré-conhecimento de todos os eventos, e seu poder para controlá-los. Isto é algumas vezes declarado por profecia verbal expressa; algumas por ações específicas desempenhadas por comando divino; e algumas por aqueles eventos peculiares, nas vidas de indivíduos, e a história ou as observâncias religiosas dos israelitas, que foram originadas para possuir uma referência intentada a algumas partes da história do Evangelho. O ponto principal, diz Chevallier, em uma pesquisa nestes tipos históricos, é estabelecer o fato de uma ligação planejada previamente entre as duas séries de eventos. Nenhuma similaridade, em si, é suficiente para provar tal correspondência. Até mesmo aqueles registrados na Escrituras são registrados sob circunstâncias muito diferentes. Se o primeiro evento for declarado ser típico, na hora quando ele ocorre, e o segundo corresponde com a predição dessa forma proferida, não pode haver dúvida de que a correspondência foi intentada. Se, antes da ocorrência do segundo evento, for proferida uma profecia diferente, que irá acontecer, e que corresponderá com algum evento prévio; o cumprimento da profecia fornece uma prova intrínseca, que a pessoa que a deu falou por inspiração divina. Não pode, deste fato, seguir, que os dois eventos foram ligados por um plano formado antes de cada um deles ocorrer; mas certamente segue, que o segundo evento, em alguma medida, tinha referência com o primeiro; e que qualquer grau de ligação, por tal profeta, suposta existir, realmente existiu. Se, novamente, nenhuma declaração específica for feita, com respeito ao caráter típico de qualquer evento ou pessoa, até depois do segundo evento ter ocorrido, que é então declarado ter sido prefigurado; o fato da ligação planejada previamente se apoiará unicamente sob a autoridade da pessoa que sugere a afirmação. Mas, se sabemos, de outras fontes, que suas palavras são palavras de verdade, nossa única pesquisa será, se ele inconfundivelmente afirma, ou claramente infere, a existência de uma correspondência intentada. O fato, então, de uma ligação planejada previamente entre duas séries de eventos, é capaz de ser estabelecida de três maneiras: e os tipos históricos podem ser conseqüentemente ordenados em três divisões principais. Alguns deles fornecem evidência intrínseca, que as Escrituras, que os registra, são dadas por inspiração de Deus; os outros podem ser provados existir somente assumindo esse fato: mas todos, quando uma vez estabelecidos, revelam o poder e a sabedoria extraordinários de Deus; e a importância desse plano de redenção, que foi anunciado ao mundo com tais elaborações magníficas. Contemplando este sistema maravilhoso perecebemos uma grande intenção entrelaçada, não somente nas profecias verbais e nos eventos extraordinários da história dos israelitas, mas nas negociações ordinárias das vidas de indivíduos escolhidos, até mesmo desde a criação do mundo. Adão era “a figura daquele que havia de vir,” Rm 5.14. Melquisedeque foi “feito semelhante ao Filho de Deus,” Hb 7.3. Abraão, no curso de eventos em que ele estava empenhado pelo comando especial do Céu, foi permitido ver o dia de Cristo, Jo 8.56; e Isaque foi recebido dos mortos “em figura,” Hb 11.19. Num período posterior, o cordeiro pascal foi ordenado ser sacrificado, não somente como um memorial da libertação imediata, que foi instituído para realizar e comemorar, mas também como um memorial contínuo daquilo que estava para ser “cumprido no reino de Deus,” Lc 22.16. Moisés foi levantado para libertar o povo de Israel; para ser-lhes um legislador, um profeta, um sacerdote; e possuir a autoridade real, se não o título de rei. Mas, durante o período inicial de sua vida, ele próprio foi ensinado, que um grande profeta devia ser levantado como ele; diante de sua morte ele proferiu a mesma profecia ao povo; e, depois desse acontecimento, os israelitas continuamente esperavam por esse fiel profeta, que devia responder as suas indagações, 1Macabeus 4.46; 14.41. Todos os seus profetas apontavam para algum legislador maior, que devia introduzir uma nova lei em seus corações, e gravá-las em suas mentes, Jr 31.33. Todo o povo de Israel foi também feito, em alguns casos, intencionalmente representante de Cristo: e os eventos, que ocorreram em sua história nacional, distintamente faziam referência a ele. Durante suas viagens no deserto, Deus não se deixou sem testemunho, que devia possuir referência ao grande plano do Evangelho. Eles comeram comida espiritual. Era um símbolo do verdadeiro pão da vida, que desceu do céu, Jo 6.38. “Bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo,” 1Co 10.4. Eles foram assolados de serpentes; e uma serpente de bronze foi levantada sobre uma vara, para que todo aquele que olhasse pudesse viver. Era uma figura perceptível do Filho do homem, que devia de maneira semelhante ser levantado; “para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna,” Jo 3.15. Além disso, suas ordenanças religiosas eram somente “uma alegoria para o tempo presente,” Hb 9.9. Seu tabernáculo foi feito segundo o modelo das coisas celestiais, Hb 8.5; Êx 25.9, 40; e foi intentado prefigurar o “maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos,” Hb 9.11. O sumo sacerdote era um representante vivo do grande “sumo sacerdote da nossa confissão,” Hb 3.1: e os sacrifícios levíticos claramente faziam referência àquele grande sacrifício pelos pecados. Josué filho de Num tipificou Jesus no nome: e por suas conquistas terrenas em alguma medida prefiguravam os triunfos celestiais de seu Senhor. Num período subseqüente, Davi não foi nenhum tipo indistinto do “Messias, o Príncipe,” Dn 9.25, por um longo período humilhado, e finalmente triunfante sobre seus inimigos. E o governo tranqüilo de Salomão prefigurava o descanso e paz eternos, que resta ao povo de Deus. Em uma época ainda mais avançada, a preservação miraculosa do profeta Jonas exibia um sinal, que foi cumprido na ressurreição de Cristo. E quando o templo foi reconstruído, Josué, filho de Jozadaque, o sumo sacerdote, e seus companheiros, foram anunciados como “homens portentosos,” representantes do Renovo, que devia, na plenitude dos tempos, ser levantado do tronco de Jessé, Zc 3.8; Is 11.1. A ilustração, então, a ser derivada dos tipos históricos do Velho Testamento, é encontrada espalhada por todo o período, que estende desde a criação do mundo, até o tempo quando a visão e a profecia foram encerradas. E toda a luz, que emana de pontos tão diversos, está concentrada na pessoa de Cristo.
Artigo extraído do Blog Arminianismo.com (http://www.arminianismo.com
sábado, 23 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
A "LEI" EM ROMANOS
O termo "lei" (nomos) ocorre mais de 70 vezes nesta epístola, e nem sempre com o mesmo sentido. Na maioria das vezes, significa a lei de Deus numa forma ou noutra, mas há alguns lugares onde o sentido é diferente. Eis os seus principais significados, em ordem ascendente de freqüência.
1. O Pentateuco. Quando se nos diz que a justiça de Deus mediante a fé é "testemunhada pela lei e pelos profetas" (3:21), "a lei" significa os primeiros cinco livros do Velho Testamento, como "os profetas" é uma designação compreensiva dos livros restantes. Este é um uso comum no Novo Testamento, e reflete a aplicação judaica da palavra hebraica torah, não somente à lei no sentido mais estrito, mas aos cinco livros que contêm proeminentemente a lei. O Velho Testamento em sua totalidade. Em 3:19 Paulo diz: "sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz." "Tudo o que a lei diz" refere-se a uma corrente de citações bíblicas feitas nos versículos anteriores (10-18); mas dessas citações, cinco são dos Salmos e uma de Isaías. Se é "a lei" que diz essas coisas, "a lei" só pode significar uma coisa: a Bíblia hebraica — o nosso Velho Testamento.
2. Um princípio. Em 3:27, tendo estabelecido que Deus justifica homens e mulheres pela fé, Paulo diz que, sendo este o caso, não há lugar para vangloria. "Por que lei? das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé." Aí a "lei das obras" (não se confunda com "as obras da lei") e a "lei da fé" indicam dois princípios contrastados, pelos quais os homens podem procurar assegurar-se da aceitação de Deus.
Em 7:21 Paulo, considerando o conflito moral que assola os domínios da alma, descobre urna "lei" — isto é, um princípio — de que, "ao querer fazer o bem(...) o mal reside em mim". No mesmo contexto, o conflito moral propriamente dito é visto como conflito entre duas leis ou princípios: primeiro, a lei ou princípio que o mantém atado ao domínio do pecado (7:23, 25); segundo, "a lei da minha mente", que reconhece a bondade da lei de Deus e deseja cumpri-la (7:23). Mas quando ainda outro princípio começa a agir na alma — "a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus" — este se mostra mais forte do que a "lei (princípio) do pecado e da morte", e livra a alma da escravidão imposta por esta (8:2).
3. A lei de Deus. Para um homem com a herança e o treinamento de Paulo, era a coisa mais natural igualar a lei de Deus à lei de Moisés — em outras palavras, a lei como Deus a deu a Israel mediante Moisés (para não falar da expansão oral da lei escrita que, segundo a tradição rabínica foi dada a Moisés no Sinai tão verdadeiramente — pelo menos em teoria — como a própria lei escrita). Foi nesta forma que Paulo tinha vindo a conhecer a lei de Deus em sua própria experiência. Se (contrariamente a muitos exegetas de hoje em dia) consideramos 7:7-13 como fragmento de uma autobiografia espiritual, Paulo conta que foi a sua primeira percepção da lei que pela primeira vez o tornou consciente do pecado. E que ele tem em mente a lei mosaica fica evidente pelo fato de que a lei particular que seleciona para ilustrar o ponto de que trata é um dos Dez Mandamentos — "Não cobiçarás".
Quando trata da situação dos judeus, que se alegravam por serem o povo da lei (2:17, 23), e se esforçavam para garantir sua aceitação da parte de Deus mediante o cumprimento das exigências da lei (9:31, 10:3), é naturalmente a lei mosaica que está na mente de Paulo. Quando ele fala, em 5:13s., 20, como se a "lei" fosse desconhecida no período decorrido Adão a Moisés — quer dizer, até o dia em que Deus falou no Sinai — podemos traçar a mesma equação da lei de Moisés com a lei de Deus. Na verdade, quando está mostrando como os cristãos devem viver, e está acentuando a supremacia da lei do amor, Paulo formula a lei do amor (como fizera Jesus antes dele) com um mandamento extraído do Pentateuco: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (13:9, citando Lc 19:18). E quando ele diz que "o cumprimento da lei é o amor" (13:10), ilustra o que pretende dizer por "lei" citando um certo número de mandamentos do Decálogo.
Mas em tudo isso Paulo está usando a lei de Israel, a notável e — para ele e para muitos dos seus leitores —' a mais bem conhecida manifestação da lei divina. Quando, em 7:1, ele apela para que os seus leitores, como pessoas "que conhecem a lei", concordem com ele em que "a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida", os exegetas podem discutir se ele se refere à lei judaica ou à lei romana, mas isto não afeta o seu argumento nessa passagem, o qual é igualmente válido, tenha ele em mente a lei judaica, ou a romana, ou simplesmente a lei em geral. Qualquer que seja a comunidade em que uma pessoa viva, está sujeita à lei dessa comunidade. E Paulo, que sustentava que "não há autoridade que não proceda de Deus" (13:1),' sustentaria igualmente que não há lei senão a que é dada por Deus.
De novo, quando argumenta que, diante de Deus, os judeus e os gentios estão na mesma situação quanto a seu fracasso em fazer a Sua vontade, ele demonstra que, embora os judeus tenham tido em sua lei uma revelação especial da vontade de Deus, os gentios não foram totalmente privados do conhecimento da vontade divina. Diz o apóstolo: "Quando, pois, os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se" (2:14). Quer dizer, os gentios não tinham recebido a torah completa, e nem mesmo os Dez Mandamentos, mas tinham noção do certo e do errado; tinham como que embutida em si certa consciência da verdadeira essência da lei de Deus. Assim, quando Paulo diz (3:20) que pela lei2 vem o nosso conhecimento do pecado, diz algo que é verdade tanto a respeito dos judeus como dos gentios. E quando, no mesmo contexto, diz que "ninguém será justificado diante dele (diante de Deus) por obras da lei", isso também é igualmente válido para judeus e gentios. Seja que as "obras da lei" sejam realizadas de acordo com um código promulgado por expressa autoridade divina, seja de acordo com os ditames da consciência, da lei moral interior, "a austera filha da voz de Deus", no dizer de Wordsworth, seja ainda de acordo com um padrão aceito de comportamento decente — não importa qual, não são estas as bases sobre as quais os homens são aceitos por Deus. Seja qual for destas formas que a "lei" tome, é certo cumpri-la. É errado, na verdade é desastroso quebrantá-la, ou desafiá-la, ou ignorá-la. Mas é inútil imaginar que, guardando-a, podemos acumular um estoque de méritos na tesouraria celeste. Deus deu lei aos homens para uma variedade de propósitos, è há muitos usos para ela. Mas quando se trata de justificar Deus os homens, Ele procede de modo mais excelente.
Portanto, a lei, qualquer que seja a forma em que apareça, é lei de Deus — "santa, justa e boa" (7:12). Se, como Paulo insiste, ela não foi dada para servir de meio para a justificação dos homens, por que foi dada? A esta interrogação a Epístola aos Romanos oferece diversas respostas, que podem ser ordenadas sob quatro títulos principais.
(1) Foi dada para ser uma revelação de Deus e de Sua vontade. A distinção entre o certo e o errado não é simples questão de convenção social. Está arraigada no ser e no caráter de Deus, e gravada na constituição do ser humano, criado como foi à imagem de Deus. A lei é lei de Deus e, como o próprio Deus, é "verdadeira e totalmente justa" (Sl 19:9; ver 7:12,16, 22).
(2) Foi dada para o bem-estar e a preservação da raça humana. Esta finalidade em particular é principalmente atendida pelo governo civil que (como se vê claramente exposto em 13:1-7) é um ministério ordenado por Deus para amparar e estimular a prática do bem, e reprimir e castigar a prática do mal.
(3) Foi dada para pôr o pecado às claras, e para levar os homens ao arrependimento e à confiança na graça de Deus. Embora em teoria o homem que guardar a lei viverá por ela (Rm 10:5), na prática ninguém é justificado pelas obras da lei, por causa do fracasso universal em guardá-la perfeitamente (3:20, 23). A tendência inata do homem, de ir contra a vontade de Deus, manifesta-se em atos concretos de desobediência quando a vontade divina é revelada na forma de mandamentos específicos (5:13), de modo que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (3:20; 7:7). Mas o homem que experimentou o poder que a lei tem de trazer o seu pecado à luz, juntamente com a incapacidade da lei de conseguir-lhe a condição de justo aos olhos de Deus, é o que está mais disposto a lançar-se com fé à graça de Deus, revelada em Cristo, como o único meio de obter sua justificação. Assim, conforme Paulo o coloca noutra epístola, "a lei foi nosso guardião até quando Cristo veio, para que fôssemos justificados pela fé" (Gl 3:24, RSV). Mas agora que Cristo veio, Ele "é o fim da lei para que todo aquele que tem fé seja justificado" (10:4, RSV) — quer dizer, Ele não só cumpriu a lei pessoalmente, por Sua perfeita submissão à vontade de Deus mas, visto que o caminho de Deus para a justiça foi aberto em Cristo, Ele assinala a substituição ou o "fim" da lei, mesmo como um meio teórico de justificação. Os que são justificados pela fé nEle, não estão "debaixo da lei, e, sim, da graça" (6:14).
(4) Foi dada para prover orientação para a vida do cristão. Graças à habitação do Espírito no coração daqueles que estão "em Cristo Jesus", as justas exigências da lei se cumprem neles com divina espontaneidade quando vivem "segundo o Espírito" (8:3). Entretanto, mesmo assim Paulo acha necessário, num ponto mais avançado da epístola, registrar princípios bem minuciosos para orientar a vida dos cristãos, para que possam "provar (por experiência) qual é a vontade de Deus, que é boa, aceitável e perfeita" (12:1, RSV). Estes princípios de orientação coincidem com o que em outra parte ele denomina "a lei de Cristo" (Gl 6:2). Conquanto Paulo mesmo não estivesse "debaixo da lei, e, sim, da graça" quanto à sua aceitação da parte de Deus, embora se alegrasse por estar libertado "da lei", de modo que agora servia "não sob o velho código escrito mas na nova vida do Espírito" (7:6, RSV), contudo, podia dizer de si como "não estando sem lei para com Deus, mas sob a lei de Cristo" (1 Co 9:21, RSV). Esta lei de Cristo, porém, é a lei do amor, que Ele encarnou e legou como "novo mandamento" aos Seus discípulos. Além disso, a lei do amor sintetiza e leva à perfeição as antigas prescrições do Decálogo. "Quem ama ao próximo, tem cumprido a lei. Pois isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (13:8-10).
Deste modo, o Evangelho de Paulo fica plenamente absolvido da acusação de antinomismo. Quando os homens são justificados pela fé, o certo continua certo, o errado continua errado, e a vontade continua a ter o governo de suas vidas. Mas para eles a vontade de Deus não fica encerrada como relíquia num código externo de regulamentos: é implantada em seus corações como um novo princípio de vida. Como Paulo, eles estão para todo o sempre sujeitos à "lei de Cristo". A minuciosa semelhança existente entre as orientações éticas de 12:l-15t4 e o sermão do monte (Mt 5-7) amplamente autoriza descrever aquelas orientações como "a lei de Cristo". A lei de Cristo não é mais capaz de justificar o pecador do que a lei de Moisés. Quer como está expressa nas orientações éticas de 12:1, quer como está expressa no sermão do monte, a lei de Cristo — a lei do amor — estabelece um padrão muito mais elevado do que os Dez Mandamentos. "O sermão do monte não é, como muita gente de boa fé imagina hoje em dia, o cumprimento ou a essência do Evangelho. É o cumprimento da lei." Apresenta o padrão pelo qual os discípulos — em outras palavras, os que foram justificados pela fé — devem viver. Aqueles em cujos corações o amor de Deus foi "derramado" pelo Espírito Santo, são capacitados pelo mesmo Espírito a cumprir a lei de Cristo por aquele amor a Deus e ao homem que é o reflexo do amor de Deus e a maneira própria pela qual respondem a ele.
Artigo extraído do Livro ROMANOS INTRODUÇÃO E COMENTÁRIO F. F. Bruce. M.A., D.D. Catedrático de Crítica Bíblica e de Exegese Bíblica
na Universidade de Manchester (Rylands) Série Cultura Bíblica.
1. O Pentateuco. Quando se nos diz que a justiça de Deus mediante a fé é "testemunhada pela lei e pelos profetas" (3:21), "a lei" significa os primeiros cinco livros do Velho Testamento, como "os profetas" é uma designação compreensiva dos livros restantes. Este é um uso comum no Novo Testamento, e reflete a aplicação judaica da palavra hebraica torah, não somente à lei no sentido mais estrito, mas aos cinco livros que contêm proeminentemente a lei. O Velho Testamento em sua totalidade. Em 3:19 Paulo diz: "sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz." "Tudo o que a lei diz" refere-se a uma corrente de citações bíblicas feitas nos versículos anteriores (10-18); mas dessas citações, cinco são dos Salmos e uma de Isaías. Se é "a lei" que diz essas coisas, "a lei" só pode significar uma coisa: a Bíblia hebraica — o nosso Velho Testamento.
2. Um princípio. Em 3:27, tendo estabelecido que Deus justifica homens e mulheres pela fé, Paulo diz que, sendo este o caso, não há lugar para vangloria. "Por que lei? das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé." Aí a "lei das obras" (não se confunda com "as obras da lei") e a "lei da fé" indicam dois princípios contrastados, pelos quais os homens podem procurar assegurar-se da aceitação de Deus.
Em 7:21 Paulo, considerando o conflito moral que assola os domínios da alma, descobre urna "lei" — isto é, um princípio — de que, "ao querer fazer o bem(...) o mal reside em mim". No mesmo contexto, o conflito moral propriamente dito é visto como conflito entre duas leis ou princípios: primeiro, a lei ou princípio que o mantém atado ao domínio do pecado (7:23, 25); segundo, "a lei da minha mente", que reconhece a bondade da lei de Deus e deseja cumpri-la (7:23). Mas quando ainda outro princípio começa a agir na alma — "a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus" — este se mostra mais forte do que a "lei (princípio) do pecado e da morte", e livra a alma da escravidão imposta por esta (8:2).
3. A lei de Deus. Para um homem com a herança e o treinamento de Paulo, era a coisa mais natural igualar a lei de Deus à lei de Moisés — em outras palavras, a lei como Deus a deu a Israel mediante Moisés (para não falar da expansão oral da lei escrita que, segundo a tradição rabínica foi dada a Moisés no Sinai tão verdadeiramente — pelo menos em teoria — como a própria lei escrita). Foi nesta forma que Paulo tinha vindo a conhecer a lei de Deus em sua própria experiência. Se (contrariamente a muitos exegetas de hoje em dia) consideramos 7:7-13 como fragmento de uma autobiografia espiritual, Paulo conta que foi a sua primeira percepção da lei que pela primeira vez o tornou consciente do pecado. E que ele tem em mente a lei mosaica fica evidente pelo fato de que a lei particular que seleciona para ilustrar o ponto de que trata é um dos Dez Mandamentos — "Não cobiçarás".
Quando trata da situação dos judeus, que se alegravam por serem o povo da lei (2:17, 23), e se esforçavam para garantir sua aceitação da parte de Deus mediante o cumprimento das exigências da lei (9:31, 10:3), é naturalmente a lei mosaica que está na mente de Paulo. Quando ele fala, em 5:13s., 20, como se a "lei" fosse desconhecida no período decorrido Adão a Moisés — quer dizer, até o dia em que Deus falou no Sinai — podemos traçar a mesma equação da lei de Moisés com a lei de Deus. Na verdade, quando está mostrando como os cristãos devem viver, e está acentuando a supremacia da lei do amor, Paulo formula a lei do amor (como fizera Jesus antes dele) com um mandamento extraído do Pentateuco: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (13:9, citando Lc 19:18). E quando ele diz que "o cumprimento da lei é o amor" (13:10), ilustra o que pretende dizer por "lei" citando um certo número de mandamentos do Decálogo.
Mas em tudo isso Paulo está usando a lei de Israel, a notável e — para ele e para muitos dos seus leitores —' a mais bem conhecida manifestação da lei divina. Quando, em 7:1, ele apela para que os seus leitores, como pessoas "que conhecem a lei", concordem com ele em que "a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida", os exegetas podem discutir se ele se refere à lei judaica ou à lei romana, mas isto não afeta o seu argumento nessa passagem, o qual é igualmente válido, tenha ele em mente a lei judaica, ou a romana, ou simplesmente a lei em geral. Qualquer que seja a comunidade em que uma pessoa viva, está sujeita à lei dessa comunidade. E Paulo, que sustentava que "não há autoridade que não proceda de Deus" (13:1),' sustentaria igualmente que não há lei senão a que é dada por Deus.
De novo, quando argumenta que, diante de Deus, os judeus e os gentios estão na mesma situação quanto a seu fracasso em fazer a Sua vontade, ele demonstra que, embora os judeus tenham tido em sua lei uma revelação especial da vontade de Deus, os gentios não foram totalmente privados do conhecimento da vontade divina. Diz o apóstolo: "Quando, pois, os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se" (2:14). Quer dizer, os gentios não tinham recebido a torah completa, e nem mesmo os Dez Mandamentos, mas tinham noção do certo e do errado; tinham como que embutida em si certa consciência da verdadeira essência da lei de Deus. Assim, quando Paulo diz (3:20) que pela lei2 vem o nosso conhecimento do pecado, diz algo que é verdade tanto a respeito dos judeus como dos gentios. E quando, no mesmo contexto, diz que "ninguém será justificado diante dele (diante de Deus) por obras da lei", isso também é igualmente válido para judeus e gentios. Seja que as "obras da lei" sejam realizadas de acordo com um código promulgado por expressa autoridade divina, seja de acordo com os ditames da consciência, da lei moral interior, "a austera filha da voz de Deus", no dizer de Wordsworth, seja ainda de acordo com um padrão aceito de comportamento decente — não importa qual, não são estas as bases sobre as quais os homens são aceitos por Deus. Seja qual for destas formas que a "lei" tome, é certo cumpri-la. É errado, na verdade é desastroso quebrantá-la, ou desafiá-la, ou ignorá-la. Mas é inútil imaginar que, guardando-a, podemos acumular um estoque de méritos na tesouraria celeste. Deus deu lei aos homens para uma variedade de propósitos, è há muitos usos para ela. Mas quando se trata de justificar Deus os homens, Ele procede de modo mais excelente.
Portanto, a lei, qualquer que seja a forma em que apareça, é lei de Deus — "santa, justa e boa" (7:12). Se, como Paulo insiste, ela não foi dada para servir de meio para a justificação dos homens, por que foi dada? A esta interrogação a Epístola aos Romanos oferece diversas respostas, que podem ser ordenadas sob quatro títulos principais.
(1) Foi dada para ser uma revelação de Deus e de Sua vontade. A distinção entre o certo e o errado não é simples questão de convenção social. Está arraigada no ser e no caráter de Deus, e gravada na constituição do ser humano, criado como foi à imagem de Deus. A lei é lei de Deus e, como o próprio Deus, é "verdadeira e totalmente justa" (Sl 19:9; ver 7:12,16, 22).
(2) Foi dada para o bem-estar e a preservação da raça humana. Esta finalidade em particular é principalmente atendida pelo governo civil que (como se vê claramente exposto em 13:1-7) é um ministério ordenado por Deus para amparar e estimular a prática do bem, e reprimir e castigar a prática do mal.
(3) Foi dada para pôr o pecado às claras, e para levar os homens ao arrependimento e à confiança na graça de Deus. Embora em teoria o homem que guardar a lei viverá por ela (Rm 10:5), na prática ninguém é justificado pelas obras da lei, por causa do fracasso universal em guardá-la perfeitamente (3:20, 23). A tendência inata do homem, de ir contra a vontade de Deus, manifesta-se em atos concretos de desobediência quando a vontade divina é revelada na forma de mandamentos específicos (5:13), de modo que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (3:20; 7:7). Mas o homem que experimentou o poder que a lei tem de trazer o seu pecado à luz, juntamente com a incapacidade da lei de conseguir-lhe a condição de justo aos olhos de Deus, é o que está mais disposto a lançar-se com fé à graça de Deus, revelada em Cristo, como o único meio de obter sua justificação. Assim, conforme Paulo o coloca noutra epístola, "a lei foi nosso guardião até quando Cristo veio, para que fôssemos justificados pela fé" (Gl 3:24, RSV). Mas agora que Cristo veio, Ele "é o fim da lei para que todo aquele que tem fé seja justificado" (10:4, RSV) — quer dizer, Ele não só cumpriu a lei pessoalmente, por Sua perfeita submissão à vontade de Deus mas, visto que o caminho de Deus para a justiça foi aberto em Cristo, Ele assinala a substituição ou o "fim" da lei, mesmo como um meio teórico de justificação. Os que são justificados pela fé nEle, não estão "debaixo da lei, e, sim, da graça" (6:14).
(4) Foi dada para prover orientação para a vida do cristão. Graças à habitação do Espírito no coração daqueles que estão "em Cristo Jesus", as justas exigências da lei se cumprem neles com divina espontaneidade quando vivem "segundo o Espírito" (8:3). Entretanto, mesmo assim Paulo acha necessário, num ponto mais avançado da epístola, registrar princípios bem minuciosos para orientar a vida dos cristãos, para que possam "provar (por experiência) qual é a vontade de Deus, que é boa, aceitável e perfeita" (12:1, RSV). Estes princípios de orientação coincidem com o que em outra parte ele denomina "a lei de Cristo" (Gl 6:2). Conquanto Paulo mesmo não estivesse "debaixo da lei, e, sim, da graça" quanto à sua aceitação da parte de Deus, embora se alegrasse por estar libertado "da lei", de modo que agora servia "não sob o velho código escrito mas na nova vida do Espírito" (7:6, RSV), contudo, podia dizer de si como "não estando sem lei para com Deus, mas sob a lei de Cristo" (1 Co 9:21, RSV). Esta lei de Cristo, porém, é a lei do amor, que Ele encarnou e legou como "novo mandamento" aos Seus discípulos. Além disso, a lei do amor sintetiza e leva à perfeição as antigas prescrições do Decálogo. "Quem ama ao próximo, tem cumprido a lei. Pois isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (13:8-10).
Deste modo, o Evangelho de Paulo fica plenamente absolvido da acusação de antinomismo. Quando os homens são justificados pela fé, o certo continua certo, o errado continua errado, e a vontade continua a ter o governo de suas vidas. Mas para eles a vontade de Deus não fica encerrada como relíquia num código externo de regulamentos: é implantada em seus corações como um novo princípio de vida. Como Paulo, eles estão para todo o sempre sujeitos à "lei de Cristo". A minuciosa semelhança existente entre as orientações éticas de 12:l-15t4 e o sermão do monte (Mt 5-7) amplamente autoriza descrever aquelas orientações como "a lei de Cristo". A lei de Cristo não é mais capaz de justificar o pecador do que a lei de Moisés. Quer como está expressa nas orientações éticas de 12:1, quer como está expressa no sermão do monte, a lei de Cristo — a lei do amor — estabelece um padrão muito mais elevado do que os Dez Mandamentos. "O sermão do monte não é, como muita gente de boa fé imagina hoje em dia, o cumprimento ou a essência do Evangelho. É o cumprimento da lei." Apresenta o padrão pelo qual os discípulos — em outras palavras, os que foram justificados pela fé — devem viver. Aqueles em cujos corações o amor de Deus foi "derramado" pelo Espírito Santo, são capacitados pelo mesmo Espírito a cumprir a lei de Cristo por aquele amor a Deus e ao homem que é o reflexo do amor de Deus e a maneira própria pela qual respondem a ele.
Artigo extraído do Livro ROMANOS INTRODUÇÃO E COMENTÁRIO F. F. Bruce. M.A., D.D. Catedrático de Crítica Bíblica e de Exegese Bíblica
na Universidade de Manchester (Rylands) Série Cultura Bíblica.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
ABOMINAÇÃO
Este termo foi usado em relação aos hebreus, que, sendo pastores, dizem terem sido uma abominação aos egípcios, pois eles sacrificavam os animais considerados sagrados por aquele povo, como bois, bodes, ovelhas, etc., o que os egípcios consideravam ilícito. Esta palavra também é empregada nas Escrituras Sagradas com referência à idolatria e aos ídolos, não apenas porque a adoração de ídolos é em si uma coisa abominável, mas igualmente porque as cerimônias dos idólatras eram quase sempre de natureza infame e licenciosa. Por esta razão, Crisóstomo afirma que todo ídolo, e toda imagem de um homem, era chamada abominação entre os judeus. Alguns intérpretes supõem que a “abominação da desolação” predita pelo profeta Daniel 10.27, 11.31, denota a estátua de Júpiter Olímpio, que Antíoco Epifânio mandou construir no templo de Jerusalém. A segunda passagem citada acima pode provavelmente referir-se a esta circunstância, visto que a estátua de Júpiter, de fato, “desolava,” ao banir a verdadeira adoração de Deus, e aqueles que a praticavam, do templo. Mas a primeira passagem, considerada em todo seu contexto, tem relação mais imediata com aquilo que os evangelistas denominaram a “abominação da desolação,” Mt 24.15, 16; Mc 13.14. Isto, sem dúvida, significa as bandeiras dos exércitos romanos sob o comando de Tito, durante o último cerco de Jerusalém. As imagens de seus deuses e imperadores eram esboçadas nestas bandeiras, e as próprias bandeiras, especialmente as insígnias, que eram carregadas à frente dos regimentos, eram objetos de adoração, e, de acordo com o uso comum da Escritura, elas eram portanto uma abominação. Essas bandeiras foram colocadas sob as ruínas do templo depois que ele foi tomado e demolido, e, como Josefo nos informa, os romanos sacrificaram a elas lá. O horror com que os judeus as consideravam, suficientemente aparece do relato que Josefo dá de Pilatos introduzindo-as na cidade, quando ele enviou seu exército de Cesaréia às bases de inverno em Jerusalém, e de Vitélio propondo marchar pela Judéia, depois de ter recebido ordens de Tibério para atacar Aretas, rei de Petra. O povo suplicava, protestava e induzia tanto Pilatos a retirar o exército quanto Vitélio a pôr em marcha suas tropas para outro caminho. Os judeus aplicaram a passagem de Daniel acima aos romanos, como nos informa Jerônimo. O erudito Sr. Mede é da mesma opinião. Sir Isaac Newton, Obs. on Daniel xi, xii, observa que no décimo sexto ano do imperador Adriano, 132 a.C., os romanos cumpriram a predição de Daniel ao construir um templo a Júpiter Capitolino onde o templo de Deus em Jerusalém estava localizado. Nesta ocasião, os judeus, sob a direção de Barcochab, pegaram em armas contra os romanos, e na guerra tiveram cinquenta cidades demolidas, novecentas e oitenta e cinco de suas melhores vilas destruídas, e quinhentos e oitenta mil homens mortos à espada, e no final da guerra, 136 a.C., eles foram banidos da Judéia sob pena de morte, e desde então a terra permaneceu desolada de seus antigos habitantes. Outros ainda têm aplicado a predição de Daniel à invasão e desolação do Cristianismo pelos muçulmanos, e à sua conversão das igrejas em mesquitas. Desta interpretação eles inferem que a religião de Maomé prevalecerá no oriente mil e duzentos e sessenta anos, e será seguida pela restauração dos judeus, a destruição do Anticristo, a completa conversão dos gentios à igreja de Cristo, e o início do milênio.
Em geral, o que quer que seja moral ou cerimonialmente impuro, ou leva ao pecado, é denominado uma abominação a Deus. Assim, lábios mentirosos dizem ser uma abominação ao Senhor. Tudo em doutrina ou prática que tendia a corromper a simplicidade do Evangelho é também na Escritura chamado abominável; por essa razão Babilônia é representada, Ap 17.4, como segurando em sua mão um cálice “cheio das abominações.” Nesta opinião, “causar abominação,” é introduzir idolatria, ou qualquer outra grande corrupção, na igreja e na adoração de Deus, 1Re 11.7.
Disponível no link: http://www.arminianismo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=479:abominacao&catid=74&Itemid=100029
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